Vaca Sagrada ou Bode Expiatório?
É impressionante a resiliência do setor pecuário e a capacidade que tem tido para aguentar heroicamente todos os ataques de que tem sido alvo nos últimos anos: desde os malefícios das carnes vermelhas e do leite, até às emissões de metano e carbono.
Na verdade, todos nós, aqueles que conhecem os sistemas produtivos por dentro, ficamos um pouco incrédulos com aquilo que vamos ouvindo.
Existe claramente uma agenda macropolítica por detrás destes ataques, cujo objetivo é equilibrar a nível mundial o consumo deste tipo de proteínas, isto é, à medida que as economias emergentes (China, Índia e Médio Oriente) aumentam os seus consumos, o mundo ocidental tem que se ajustar para atenuar a pressão sobre o sistema produtivo e sobre os fatores de produção.
Se o objetivo final desta macropolítica é compreensível, já os meios utilizados para o atingir são altamente condenáveis. Neste processo, é posta em causa a imagem de todo um setor feito de gente séria, trabalhadora, resiliente e extremamente competente.
É claro que o consumo de carne e de leite não é prejudicial para a saúde, é claro que o carbono tem um ciclo próprio e que a produção pecuária não emite mais do que sequestra. Para nós, gente do setor estas matérias são claras e inequívocas.
Mas então qual o impacto destas políticas no presente e no futuro?
Analisando o consumo nacional de leite e produtos lácteos dos últimos 5 anos, (2014-2018), observamos uma grande estabilidade a rondar as 1 200k ton (fonte: INE)1. Temos uma média de 1 224k ton, um máximo de 1 269k ton e um mínimo de 1 196 k ton.
Já no consumo de carne de bovinos e ovinos, podemos recuar uma década que não observamos nenhuma tendência de redução do seu consumo. Aliás, 2018 foi o ano com maior consumo dos últimos 10 anos (236k ton), tendo sido o mínimo atingido em 2013 com 202k ton (fonte: INE)1.
Não se nota, portanto, um decréscimo do consumo nos últimos anos. Porquê?
Somos mamíferos e omnívoros, sempre fomos e sempre seremos. Para sermos herbívoros tínhamos que ter outro sistema digestivo. Quando tivermos outro sistema digestivo, já não seremos a mesma espécie.
Acresce que, estas campanhas de desinformação têm uma premissa comum que não é de todo verdadeira – a de que somos todos tontos. Não somos, está claro.
Estamos a falar de carne e de leite, mas a verdade é como o azeite: vem sempre à superfície.
Quando formos ao supermercado, vamos continuar a ir à prateleira do leite e ao linear da carne. Eu, por mim, queria encontrar sempre produtos nacionais. Produtos que não fizeram milhares de quilómetros para cá chegar; produtos dos quais conheço o rigor e a sustentabilidade do sistema de produção; produtos que me garantem segurança e qualidade; e sobretudo, produtos que são melhores que os outros.
Qual é o nosso problema enquanto consumidores?
É que lá fora já se vai conhecendo a vocação que Portugal tem para fazer estes produtos com qualidade e sustentabilidade. Basta olhar para a produção de carne em regime extensivo e para a produção de leite que incorpora cada vez mais pastagens e forragens de qualidade nas dietas dos seus animais. Não vai chegar para todos.
Portanto caros amigos, o impacto desta macropolítica para o setor pecuário português em última análise é bastante positivo: saímos mais fortes, o consumo interno não diminuiu e as exportações tenderão a aumentar. Os consumidores sairão mais informados e a imagem do setor será reposta.
Temos muitas horas de luz, temperaturas amenas. Conseguimos produzir proteína e azoto de uma forma gratuita e sustentável graças ao trabalho das leguminosas. Trabalhamos com a biodiversidade como ferramenta principal. Temos o potencial para ter o sistema de produção pecuária mais sustentável do mundo. Um sistema produtivo que produz externalidades positivas em vez de negativas: que sequestra carbono, que promove a biodiversidade, que protege os aquíferos, que é independente do petróleo, que equilibra a balança económica diminuindo as importações de matérias primas, que origina produtos seguros, com qualidade e organolepticamente superiores.
Em boa verdade, aquele que tem sido o Bode Expiatório para uma agenda macropolítica baseada na desinformação, é na verdade uma Vaca Sagrada para o setor primário Português.