Opinião científica da EFSA sobre bem-estar de vitelos - vínculo progenitora e vitelo
Introdução
Nas explorações leiteiras é recomendável que o parto ocorra em locais reservados para esse efeito, em salas de parto, vulgarmente apelidadas de maternidades, cujo piso é revestido de palha seca e abundante ou qualquer outro material (areia, serrim, aparas de madeira, casca de arroz e estilha), que ofereça conforto e higiene aos animais. Por norma as vacas encontram-se em grupos designados de lotes pré-parto, contudo, nalguns casos também podem fazer o parto, na zona de estabulação livre com cubículos, em parque ao ar livre em terra batida ou quando presentes em sistemas de produção extensiva, na própria pastagem. A higiene do local onde se dá o parto é um fator de extrema importância e por isso, determinante para a saúde dos vitelos recém-nascidos, suscetíveis a infeções de diversas origens. Portanto, a utilização de espaços individuais para a realização dos partos, que são limpas entre cada parto, assim como a existência de protocolos pré-estabelecidos de limpeza das salas de parto em grupo, são desejáveis e muito recomendados.
A imunidade resultante da transferência de anticorpos e outros elementos protetores com origem materna, tanto através da placenta durante a gestação, como pela ingestão de colostro, denomina-se de imunidade passiva. Nos vitelos, a transferência de imunidade obtém-se apenas através da ingestão do colostro materno, tendo em conta que a estrutura placentária bovina não permite a transferência de imunoglobulinas (Igs) para o feto durante a gestação. Esta transferência de imunidade é essencial para os vitelos durante os primeiros meses de vida, pois, apesar de produzirem anticorpos endógenos desde o período fetal, continuam a estar suscetíveis a infeções durante as primeiras semanas.
Maneio e administração de colostro
O momento de aproximação do parto pode ser previsto através de modificações de comportamento na vaca, como o aumento da frequência com que esta se levanta e deita, escoiceia o abdómen e urina e ainda com o relaxamento dos ligamentos pélvicos, edema da vulva e perda de leite pelos tetos. Nas explorações leiteiras convencionais, os vitelos são separados das suas mães logo após o nascimento e transferidos para uma boxe individual ou para grupos de 2 a 7 animais, sendo crucial a administração de colostro de qualidade na proporção de aproximadamente 10% do seu peso vivo. Esta separação deve ser efetuada assim que possível de modo a garantir, não só a qualidade e o volume da sua alimentação no tempo adequado à absorção, mas igualmente para evitar atropelos por outras vacas, ingestão de leite mastítico, infeção através do contacto com animais adultos ou abandono por progenitoras com pouca capacidade maternal.
O colostro é a primeira secreção ordenhada da glândula mamária, ingerida pelo vitelo depois do parto, sendo uma fonte de imunidade passiva e nutrição essencial para o mesmo, fornecendo-lhe proteína e energia, anticorpos circulantes, além de desencadear a movimentação do mecónio no intestino e estimular o sistema enzimático digestivo. Este pode ser fornecido através de um balde/biberão com tetina artificial ou em alternativa, e principalmente quando o vitelo demonstra pouco instinto para amamentação, é conveniente recorrer à administração por sonda esofágica. Um dos fatores de grande importância para o adequado maneio do colostro é a assepsia aquando da ordenha, manipulação e armazenamento do mesmo, de modo a evitar a contaminação com microrganismos. A importância de diminuir ao máximo esta contaminação deve-se ao facto da presença destes microrganismos reduzir a absorção de Igs no intestino, quer por haver uma ligação dos mesmos com as Igs, quer por bloquearem diretamente a absorção destas pelas células intestinais. Para além disso, podem vir a causar doenças, nomeadamente diarreias e septicemia, principalmente quando se trata de agentes microbianos patogénicos.
Os fatores que mais influenciam a massa de Igs consumidas são a qualidade e volume do colostro administrado, e o que mais afeta a absorção das mesmas é a rapidez com que a primeira toma de colostro é efetuada após o nascimento. A absorção de Igs nos vitelos é máxima nas primeiras quatro horas após o nascimento, diminuindo drasticamente após doze horas e será quase nula aproximadamente 24 horas após o parto, como se pode constatar pela ilustração da figura que se segue (Figura 1).
Figura 1. Ilustração da capacidade de absorção de imunoglobulinas após o parto pelo vitelo (adaptado de Godden, 2008)
É recomendado que após o vitelo recuperar do parto, estiver seco e conseguir manter-se em pé, lhe seja administrado de imediato colostro. Este pode ser da própria progenitora ou de outra fêmea recém-parida, e neste caso, estaremos a considerar a administração de colostro fresco, no entanto, também se pode administrar colostro congelado ou pasteurizado, sendo a opção por aquele que tiver os níveis mínimos de qualidade desejável (concentração de Igs no colostro >50 g/l) para garantir uma absorção suficiente de Igs e dessa forma reduzir o risco de doença, de morbilidade e mortalidade. Quando os vitelos não recebem a quantidade suficiente de colostro de alta qualidade nas primeiras horas após o nascimento, a transferência de imunidade passiva (TIP) é prejudicada e estes tornam-se mais suscetíveis a doenças entéricas e respiratórias específicas.
Maneio ao desmame
Nas explorações leiteiras convencionais, o desmame dos vitelos ocorre mais precocemente em comparação com os sistemas de produção extensivos, em que o vitelo permanece mais tempo junto da progenitora, efetuando a amamentação natural e simultaneamente ingestão de alimento sólido. O desmame gradual pode ser iniciado por volta das 4 a 6 semanas de vida, sendo o desmame definitivo concretizado geralmente entre as 8 e as 12 semanas de idade. As estratégias de desmame podem estar estritamente relacionadas com a idade, todavia podem também ser implementados esquemas de desmame individuais, tendo em consideração o peso vivo do vitelo, a ingestão de concentrado e outros alimentos sólidos ou a combinação de vários fatores. Todos aqueles vitelos que demonstrem maior consumo de alimento sólido durante o período de aleitamento, apresentarão melhor desenvolvimento ruminal e maior ganho de peso corporal após o desmame.
A legislação da União Europeia, nomeadamente, a Diretiva do Conselho 2008/119/CE, determina que os vitelos devem ter sempre acesso a água de qualidade e em quantidade suficiente. Estudos realizados recentemente em vários países da Europa demonstraram que, embora a importância do fornecimento de água para o bem-estar e o crescimento dos vitelos seja reconhecido por todos, nem sempre estes tinham acesso a este recurso alimentar essencial. Verificou-se que os vitelos alimentados com quantidades restritas de leite manifestaram maior ingestão de água comparativamente aos vitelos alimentados com leite ad libitum, mas este último grupo também teve necessidade de ingestão de quantidades substanciais de água, sugerindo que mesmo o acesso ad libitum ao leite não cobre totalmente as carências de água dos animais. Esta deve ser fornecida preferencialmente em bebedouros de nível, em reservatórios facilmente higienizáveis (inox ou plástico) com espaço (2,5 a 7 cm de bebedouro linear/vitelo) e com caudal adequado ao número de animais presentes.
Stresse por separação
Existe evidência científica de que os vitelos sofrem de stresse por separação, quando são afastados das suas mães ou de vacas adotivas após um período de contacto próximo. Este stresse de separação é mais patente se a separação ocorrer após a ligação completa filio-maternal, que normalmente requer um período de contacto permanente de pelo menos quatro dias após o nascimento. A resposta do vínculo de vitelos leiteiros à separação abrupta é caraterizada por comportamentos de desassossego e tentativas constantes de restabelecer contacto com a progenitora.
Nos sistemas de produção de leite onde a mãe/vaca adotiva e o vitelo eram mantidos juntos por 8 a 12 semanas, a separação abrupta resultou em aumento de atividade indesejada e mugidos agudos, principalmente por parte dos vitelos. Os comportamentos de stresse foram muito inferiores, quando o desmame e a separação permanente da vaca ocorreram em fases distintas. Num estudo realizado com vitelos de dez semanas de idade, que se encontravam com as progenitoras, colocaram-se arganéis no focinho para impedir a amamentação durante duas semanas, previamente à separação completa e constatou-se que os vitelos vocalizaram menos, estavam mais calmos e demonstraram frequência cardíaca mais baixa após a separação comparativamente aqueles que foram desmamados e separados das mães simultaneamente.
Por vezes, os vitelos podem redirecionar o seu comportamento de sucção para objetos, como barras de ferro, acessórios ou, se acessível, para outros vitelos, levando a comportamentos anormais (sucção cruzada). Entre vitelos alojados em grupo, a sucção cruzada é frequentemente direcionada para a região inguinal, especialmente o escroto nos machos e tetos rudimentares nas fêmeas, em que a postura do animal se assemelha muito ao ato de amamentação natural que ocorreria na sua progenitora. A sucção cruzada e a sucção não nutritiva de objetos são consideradas comportamentos anormais (estereótipos), que podem indicar motivação frustrada e comprometimento grave do seu bem-estar animal.
Conclusão
As respostas ao stresse por separação foram menores em vacas separadas imediatamente após o nascimento, comparativamente a vacas que criaram os seus vitelos por vários dias ou semanas. Por outro lado, os procedimentos de desmame e separação em duas etapas distintas reduziram o stresse por separação, quer nos vitelos, como nas vacas, sendo os fatores negativos potenciadores de stresse menores quanto mais velhas forem as crias. Outros efeitos positivos da separação após o nascimento prendem-se com a prevenção de transmissão de doenças. O stresse por separação é mais severo após a formação do vínculo vaca-vitelo, que normalmente é completamente estabelecido ao fim de 4 dias após o parto. Quando se realiza a separação imediata da mãe no momento do nascimento, é muito importante após os primeiros dias de vida efetuar grupos de vitelos estáveis para estimular os comportamentos sociais entre animais. A EFSA recomenda que o vitelo deve ser mantido com a mãe por um período mínimo de 24 horas após o nascimento e alojado posteriormente em grupo.