Novo ano base nas avaliações genéticas nacionais dos bovinos da raça Holstein: Comparações e Progresso Genético

 

A maior parte dos Países produtores de leite atualizam as bases das avaliações genéticas dos rebanhos leiteiros de 5 em 5 anos. Em Portugal a última atualização foi feita em Setembro de 2020 (última avaliação Nacional) e corresponde à média dos Valores Genéticos (VG) das fêmeas nascidas em 2015. Anteriormente, o valor do ano base correspondia à média dos Valores Genéticos (VG) das fêmeas nascidas em 2010. A comparação entre estes dois valores vai permitir ter uma ideia concreta do progresso genético do rebanho nacional, resultado dos programas de seleção. Para complementar esta análise, poderemos ainda observar os gráficos do progresso genético, por característica e por ano de nascimento dos animais (machos e fêmeas) participantes no programa de seleção a nível Nacional.
Porquê esta alteração periódica do ano base? Ao definirmos um determinado ano como base, cada País calcula, para cada característica, a média dos VG das fêmeas nascidas nesse ano e subtrai esse valor aos VGs de todos os animais (machos e fêmeas) com o propósito de facilitar a comparação entre eles, tendo sempre como referência o valor do ano base. Por exemplo, o valor médio dos VGs das fêmeas nascidas no ano base (agora 2015) passa a ser zero após a subtração (referência). Então, todos os VGs positivos corresponderão a um progresso positivo e todos os negativos representam um reverso no progresso genético. Note-se que será ao contrário para as características cujo melhoramento é no sentido da diminuição, como por exemplo, no caso da contagem de células somáticas no leite.
De realçar ainda que, com a mudança de base, os utilizadores das avaliações genéticas poderão confirmar se os padrões por eles definidos no passado para escolher touros de I.A. ou valorizar as suas fêmeas ainda corresponde à qualidade genética necessária para permanecer competitivo tendo em consideração o progresso genético, ou seja, se os resultados das suas escolhas foram e serão ou não benéficas para o seu rebanho do ponto de vista genético.

 

Evolução genética desde 2015

A tabela 1 mostra a diferença entre os VGs para as várias características, entre as vacas nascidas em Portugal em 2015 (ano base atual) e as vacas nascidas em 2010 (ano base anterior). O crescimento (ou decréscimo) verificado foi, para todas as características, no sentido positivo, mostrando que de uma forma geral e em média, os critérios de seleção usados pelos criadores foram corretos nestes últimos 5 anos.
Porque os valores genéticos do ano base atual são superiores aos anteriores, isso vai significar que a maioria desses VGs será inferior em comparação com as avaliações anteriores (devido à subtração do novo valor do ano base). É necessário notar que apesar dessa diminuição, o ranking genético dos animais não sofre alterações, não influenciando, portanto, os critérios para a seleção dos reprodutores (touros e fêmeas). No entanto, se as tendências forem desfavoráveis, os VGs tendem a aumentar. As exceções correspondem àquelas características como a pontuação de células somáticas (SCS) e algumas características reprodutivas porque aqui os valores mais baixos são preferíveis para essas características. Apenas para efeitos comparativos, nos Estados Unidos da América, o Leite, a Gordura e a Proteína apresentaram diferenças genéticas entre 2015 e 2010 bem mais substanciais do que em Portugal (446 kg, 21 kg e 16kg, respetivamente), mas inferiores na Taxa de prenhez das filhas (0,49%).

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Tabela 1. Diferença na média dos valores genéticos (VGs) das vacas nascidas em 2015 em comparação com as nascidas em 2010.

Pontos a reter na tabela 1:

  • As características produtivas, reprodutivas e SCS, mostram todas ganhos favoráveis.
  • Foram obtidos ganhos genéticos em todas as três características de produção (leite, gordura, proteína, incluindo os teores dos componentes do leite em valores percentuais). Assim, por exemplo, a alteração do ano base para 2015, irá reduzir a escala dos VGs do Leite em cerca de 280 Kg.
  • A escala dos VGs para gordura e proteína será reduzida em cerca de 10 a 14 Kg.
  • Ao contrário das outras características, a escala dos VGs para a pontuação de células somáticas (SCS) irá aumentar em 0,14 devido ao seu progresso favorável (menor é melhor) na redução de SCSs.
  • Todas as estimativas de fertilidade mostraram mudanças favoráveis ao longo dos cinco anos.
Diferença nas performances atribuídas às alterações genéticas e ambientais

O modelo genético usado nas avaliações de todas as características decompõe a performance real (fenótipo) nos seus componentes genético e ambiental:

 

Fenótipo = Efeito Genético + Efeito Ambiental

 

O fenótipo corresponde, portanto, à performance real (Kg de Leite, teor de gordura, SCS, etc.), o efeito genético corresponde aos VGs dos animais (quanto da produção é devido à sua composição genética) e o efeito ambiental corresponde a todos aqueles factores não-genéticos (clima, nutrição, saúde e bem-estar animal, etc.) que tem uma influência directa na performance (o leite é composto de cerca de 90% de água; se os animais não tiverem acesso livre a água em quantidade e qualidade, é impossível para o animal expressar todo o seu potencial genético).
Com a tabela 2 pretende-se mostrar as diferenças na performance total (fenótipo) para as várias características entre as vacas nascidas em 2015 e 2010 e dar uma indicação sobre quanto dessas alterações são devidas às componentes genética e ambiental.

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Tabela 2. Média das diferenças na performance real (fenotípica) entre as vacas nascidas em 2015 e as nascidas em 2010 em Portugal e que são atribuídas aos progressos das componentes genética (VG) e ambiental.

Pontos a reter na tabela 2:

  • Todas as características do Leite tiveram contribuições positivas em ambos os componentes (genético e ambiental).
  • O melhoramento no Teor de Proteína foi praticamente feito com base na contribuição genética.
  • Para as outras características do Leite, os fatores ambientais (nutrição, bem-estar, etc.) representaram cerca de 30 a 40% das contribuições indicando haver margem para melhorar ainda mais.
  • Houve ganho genético nas SCS com um melhoramento médio em 0,14 pontos.
  • De realçar que o progresso no efeito ambiental das SCS foi superior ao genético (0,15 pontos), possivelmente devido à ação melhoradora dos programas de qualidade do leite.
  • Com exceção da Idade ao 1º Parto, todas as características reprodutivas mostraram um progresso genético superior ao ambiental.
  • O progresso ambiental positivo das características reprodutivas mostra uma melhoria no maneio reprodutivo e, em especial para a Taxa de prenhez das filhas (DPR), poderá ser uma indicação de uma deteção de cios mais efetiva.
  • A redução na Idade ao 1º Parto foi mínima e claramente ambiental (64%).
Progresso genético anual em machos e fêmeas

A última avaliação genética Nacional de bovinos da raça Holstein foi publicada em Setembro deste ano, 2020. Com os resultados destas avaliações é possível visualizar o progresso genético do rebanho Nacional para cada característica agrupando os animais por sexo e ano de nascimento.
O progresso genético para as características de Produção da população Holstein Portuguesa (figura 1) tem sido em geral positivo apesar das oscilações em parte resultantes das crises dos últimos anos, nomeadamente a crise económica dos anos 2008. Olhando para os últimos 20 anos, a genética do leite tem em média crescido anualmente 29 kg e 67 kg de leite em machos e fêmeas, respetivamente.
Nos machos, a redução na taxa de crescimento do Leite a partir do ano 2000 é provavelmente prova desta crise (os touros nascidos em 2000 têm, em média, as suas provas 8 anos depois) e justifica também a correspondente redução do progresso nas fêmeas a partir de 2010 aproximadamente. Há sinais de recuperação das taxas de crescimento genético, mas continua a ser preciso mais tempo para confirmar essa tendência.
A diminuição no progresso genético do Teor de Gordura (nos machos até 2002 e nas fêmeas até 2010) está em grande parte relacionada com os critérios de seleção adotados em praticamente todo o mundo o qual se debatia com um excesso de reservas de manteiga. Com o aparecimento dos novos mercados das economias emergentes (Rússia, China, etc.), esta situação reverteu-se e agora há de novo interesse em selecionar positivamente para esta característica. O progresso nos machos é de 0,009% ao ano desde 2000 e isso reflete-se nas fêmeas a partir de 2010.
O Teor de Proteína é uma característica complexa, mas que, a partir de 2000 nos machos (0,006% de aumento anual) e a partir de 2010 nas fêmeas, passa também a ter uma resposta à seleção positiva em tudo semelhante à do Teor de Gordura.

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Figura 1. Progresso genético de algumas características produtivas por ano de nascimento (avaliação genética nacional de setembro de 2020).

A resposta à seleção na característica SCS (células somáticas) tem sido consistentemente negativa (melhoradora para esta característica) em ambos os sexos. Desde o ano 2000 e em média, os machos têm diminuído 0,018 pontos e as fêmeas 0,02 pontos por ano (cerca de 12.700 células por ml, por ano).
A figura 2 diz respeito ao progresso genético das características Reprodutivas por nós analisadas: Intervalo entre partos (IP), definido como o número de dias entre dois partos consecutivos; Intervalo entre parto e primeira inseminação (IP-1ªIA), expresso como o número de dias entre o parto e a 1ª inseminação após o período voluntário de espera pós-parto (42 dias); Dias em aberto (DO), definido como o número de dias entre o parto e a inseminação fecundante; Taxa de prenhez (DPR), correspondente a percentagem do número de ciclos éstricos (de 21 em 21 dias) após o período voluntário de espera que foram necessários para a vaca ficar gestante.

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Figura 2. Progresso genético de algumas características reprodutivas por ano de nascimento (avaliação genética nacional de setembro de 2020).

A relação entre as 4 características é evidenciada nos gráficos do progresso genético (figura 2). Enquanto no IP, IP-1ªIA e DO quanto mais dias, menor a eficiência reprodutiva, o inverso verifica-se no DPR onde, quanto maior a percentagem de prenhez, maior a eficiência reprodutiva o que explica a curva desta ser praticamente inversa à do DO (para cada 1% de DPR corresponde a uma diminuição de 4 dias no DO). De uma forma geral, todas estas características têm uma evolução genética semelhante (o formato da curva é praticamente coincidente) o que justifica o uso quase exclusivo do DPR como característica de eleição para inclusão nos Índices de Selecção. A taxa de prenhez (DPR) é conceptualmente uma característica fácil de compreender e apresenta-se numa escala em que maior significa melhor. As tendências genéticas para as características reprodutivas têm vindo a melhorar nos últimos anos. A DPR por exemplo, apresenta um progresso positivo nos machos de 0,4% por ano (desde 2000) e nas fêmeas de 0,3% por ano (desde 2008).
É importante que a nível Nacional, os criadores e seus consultores estejam preparados para continuar a apostar no melhoramento genético da raça de acordo com os seus objetivos de seleção. Somente a seleção com base nos VG é efetiva e permanente; apesar da importância do melhoramento dos fatores ambientais, é preciso compreender que só os genes passam de geração em geração e definem o potencial dos animais. A interdependência entre a componente genética e a realidade das condições ambientais na expressão da produtividade animal (fenótipo), faz com que as Avaliações Genéticas Nacionais sejam as mais adequadas para selecionar os reprodutores e garantir o melhoramento efetivo dos rebanhos. Também neste sentido o M€T (Índice de Mérito Económico Total) terá de ser atualizado de modo a passar a incluir as características reprodutivas e tornar-se cada vez mais num Índice que promova a maximização da produtividade total em animais sãos e bem-adaptados às condições locais.

TEXTO: Prof. Doutor Júlio Carvalheira, Prof. Associado ICBAS-UPorto e Investigador CIBIO-InBIO, UPorto; Dr.ª Adriana Pereira, Departamento Investigação e Melhoramento Animal – ANABLE