Laticínios na Prática Desportiva

 

São várias as investigações científicas na área do desporto que apontam o leite como a bebida desportiva, especialmente a versão com chocolate como bebida de recuperação para o período de pós-treino. As alegações utilizadas nos artigos publicados (quer pelo International Journal of Sports Nutrition quer pelo British Journal of Nutrition) recaem sobre a combinação perfeita de hidratos de carbono vs proteína (numa relação de 3:1 ou 2:1); pela sua riqueza em fluídos e eletrólitos (sódio e potássio) e nutrientes como Cálcio, Fósforo e Vitaminas do complexo B.

De facto, uma ingestão de alimentos com uma boa composição nutricional é relevante para o desempenho desportivo assim como para otimizar as adaptações ao próprio treino (tornar o corpo mais capaz ao exercício). O leite apresenta-se como um alimento completo e representa uma riqueza nutricional que poderá ser de extrema utilidade para desportistas, sejam eles profissionais ou amadores. Uma correta ingestão de alimentos ricos quer em hidratos de carbono – para reposição energética – quer em proteína – para maximizar a síntese muscular e prevenir micro lesões – garante um bom proveito do treino realizado e uma melhoria na performance/adaptação para o treino subsequente.

O leite como combustível energético

Os hidratos de carbono (HC) são o combustível energético de preferência do nosso organismo. Aquando da exposição ao exercício físico, é necessário preparar e aumentar as reservas de glicose para o esforço que se avizinha. Na parte final de cada sessão de exercício, com o declive do “combustível”, é crucial a reposição de energia (sob a forma de glicose). O leite contém uma considerável fonte em HC, sob a forma de lactose e sacarose, de rápida absorção e em quantidades idênticas a algumas bebidas desportivas (que contém maltodextrina, o mesmo que glicose), ideal quer para um curto período de pré-treino – para fornecimento rápido de energia – quer para um período pós-treino para reabastecimento energético, evitando a depleção muscular.

Ilustração 1 – Tempo de exaustão e trabalho total realizado durante o treino de resistência após a ingestão de três diferentes bebidas de recuperação distintas. Gráfico de Jason R. Karp, et al.
O leite para preparação e reconstrução da massa muscular

Das várias propriedades intrínsecas ao leite, destaca-se a sua supremacia sobre outras bebidas desportivas no que diz respeito ao seu papel no metabolismo muscular e síntese de proteínas musculares. O leite, para além do elevado teor proteico que detém (cerca de 12,5 g por cada 200 ml) fornece proteínas de elevado valor biológico – nomeadamente a caseína (proteína de lenta absorção) e proteína de soro (proteína de rápida absorção) – e ainda aminoácidos de cadeia ramificada (essencialmente leucina), importantes para o incremento do metabolismo proteico, com consequente aumento da massa muscular e potencial perda de massa gorda. Vários autores defendem que as proteínas do leite têm a melhor qualidade nutricional, o que sugere um efeito sinérgico entre a caseína e a proteína de soro.

Ilustração 2 – Comparação dos níveis de força isométrica em três momentos, após a ingestão de duas bebidas diferentes. Gráfico de Gilson SF, et al.
O teor em gordura do leite

Aparentemente, os estudos pouco evidenciam a escolha do perfil ideal de gordura do leite. É certo que parte das gorduras proveniente do leite é sob a forma saturada e tendo em conta as desvantagens associadas ao consumo deste tipo de gordura, será preferível a escolha das versões magras. Para além deste motivo, a gordura deverá ser evitada nas refeições perto das sessões de exercício pela sua complexidade digestiva e suscetível a episódios de mau estar gástrico.

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Ilustração 3 – Composição do leite com chocolate. Gráfico de Karp et al. 2006
O leite para reidratação e reposição de eletrólitos

O leite tem, de forma natural, elevadas concentrações de água e electrólitos principalmente sódio e potássio, que são normalmente perdidos através do suor ao longo do exercício. Apenas em casos extremos ocorrem situações como hipo-hidratação assim como hipo-natrémia (transtorno no qual a concentração de sódio no plasma sanguíneo é menor do que o normal) e resulta num aumento do esforço cardiovascular e termorregulação, supressão da função imunitária levando a um aumento do risco de doenças infeciosas. Uma hidratação adequada, suficiente se iniciar o treino já hidratado, permite manter uma carga de treino alta. Por este motivo, os autores fazem referência ao leite como solução eficaz para promover a ingestão de líquidos assim como na retenção de fluidos, garantindo a manutenção de um estado eu-hidratado (estado normal de hidratação) ao longo do exercício.

Timing de ingestão de leite

A aplicabilidade do leite magro poderá ser direcionada quer para atletas amadores quer para profissionais, em merendas de pré e pós-treino. É, contudo importante definir o tipo de treino, assim como a sua intensidade e duração para balizar o consumo às necessidades nutricionais de cada indivíduo.

Quando se fala em refeições de pré-treino, que deverá antecipar pelo menos 1 hora ao treino, o importante é fornecer nutrientes de rápida absorção, ricos em hidratos de carbono e/ou proteína e igualmente pobres em gordura e fibra (nutrientes que dificultam o esvaziamento gástrico). O ideal será a combinação de leite magro, simples ou achocolatado, com cereais, pão ou bolachas.

Esta combinação não difere para as refeições pós-treino, até duas horas após o exercício existe a chamada “janela metabólica”, por vezes descurada pelos atletas, que é entendida como o período de tempo onde o aproveitamento de nutrientes provenientes da alimentação é de extrema eficácia. Neste período é tão importante a reposição energética, através de alimentos ricos em hidratos de carbono, assim como a reparação muscular, através de fontes alimentares proteicas. Tal como a refeição pré-treino, é essencial uma refeição que deverá conter ambos nutrientes e o leite achocolatado por si só é uma excelente opção.

Tendo o leite uma forte ligação com a nossa cultura, impreterivelmente através do leite-materno ou do leite escolar, faz dele uma alternativa de grande aceitação junto da maioria dos desportistas e de todas as faixas etárias. Para além da questão económica comparativamente a bebidas desportivas, o leite simples ou com chocolate, tem enormes benefícios nutricionais como a presença de uma vasta gama de vitaminas e minerais que as bebidas desportivas não são capazes de incluir. Para além dos benefícios já referidos, o leite em comparação com uma bebida desportiva é energeticamente denso, o que significa que possui uma absorção mais lenta, evitando oscilações na osmolaridade plasmática e por isso é capaz de reter no organismo uma maior quantidade de fluidos.

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Em jeito de resumo, a investigação científica tem vindo apoiar o uso do leite, especialmente com baixo teor em gordura, como uma opção segura de bebida desportiva. É eficaz para promoção da recuperação ao exercício e por isso deverá ser sempre considerado como uma alternativa viável por todos os atletas tolerantes à lactose. Ainda assim, garantindo uma alimentação completa, variada e equilibrada é a chave para otimização da performance desportiva.

O Projeto Sprintmed, que se dedica à realização de exames médico-desportivos a atletas das mais variadas modalidades, decidiu, recentemente, incorporar nos seus exames a realização de avaliações nutricionais a todos os atletas, de forma a fazer um aconselhamento nutricional personalizado. Naturalmente, o consumo regular de leite, os timings e as quantidades são elementos sempre presentes, de forma a que se reforce junto da população atlética as múltiplas vantagens do consumo de leite por todos os que praticam desporto.

Dr.ª ANA BARROSO, Nutricionista

Dr. HENRIQUE PACHECO, Médico especialista em Medicina Geral e Familiar, Pós-graduado em Medicina Desportiva e Diretor Clínico da Sprintmed