Influência do tempo de repouso na produtividade e bem-estar de vacas leiteiras

O crescente interesse no bem-estar animal na última década resultou em investigação científica nesta área do conhecimento, na publicação de diplomas legais e na implementação de protocolos e esquemas de certificação nas explorações. No entanto, os custos de realização dessas avaliações de bem-estar nas unidades de produção, limitam o tempo disponível para tomar medidas baseadas nos animais, especialmente comportamentais. Consequentemente, com a adesão a novas tecnologias surge a possibilidade de registo automático de comportamentos relevantes dos animais de forma mais eficiente e económica.

Os períodos de tempo que as vacas passam deitadas pode ter um grande significado na apreciação do seu bem-estar, além de determinados padrões comportamentais permitirem inferir sobre a necessidade das vacas repousarem. Monitorizar os comportamentos tornou-se mais fácil através do uso de vários equipamentos automáticos (loggers) e a sua avaliação tornou-se mais comum nas apreciações em larga escala de bem-estar em vacas leiteiras.
Muitos aspetos do comportamento de descanso dos animais podem fornecer informações sobre o seu grau de bem-estar, como o tempo gasto no processo de deitar ou levantar e ainda a sequência e diversidade de posturas por estes adotadas.

Para manter a saúde dos animais, o bem-estar e os elevados níveis de produtividade é essencial que as vacas leiteiras tenham tempo e espaço suficiente para se deitar e repousar. É muito importante dispor de áreas adequadas e confortáveis para garantir que estas tenham um descanso apropriado.

 

Tempo e forma de repouso

Quando as vacas são privadas de se deitar por distúrbios patológicos, falhas de maneio ou falta de conforto, existe sempre o comprometimento de funções vitais. Estudos realizados demonstraram que os animais alojados em estabulação livre com cubículos apresentam os comportamentos sincronizados diminuídos comparativamente aos animais em estabulação livre com área de repouso comum e em pastoreio, apesar das vacas se caraterizarem por serem animais gregários que frequentemente revelam comportamentos sincronizados para se deitar, alimentação e abeberamento.

Em média, vacas em lactação deitam-se por períodos de 8 a 13 horas por dia, com valores mais comumente evidenciados entre 10 a 12 horas/dia. Contudo, observa-se alguma variabilidade, que normalmente está associada ao sistema de estabulação e de ordenha em cada exploração. A duração do tempo total de repouso pode oscilar como resultado da frequência de lutas entre animais e da falta de condições nos locais de repouso. A frequência média de interações ronda as 10 por dia/animal, normalmente com duração superior a uma hora no total, demonstrando grande variação entre animais. A frequência das interações e a sua duração média pode ser afetada pela paridade da vaca, correlacionada positivamente com a duração da luta e negativamente com a sua frequência. Uma superfície do estábulo desconfortável resulta em maior duração da competição entre animais, mas menor frequência e, consequentemente, menor tempo total de repouso em comparação com superfícies mais macias/confortáveis. Quando existe um maior número de animais no estábulo comparativamente ao número de cubículos, verifica-se um aumento de comportamentos de competição porque as vacas não se podem deitar ao mesmo tempo.

A duração de um único período de repouso também pode variar muito entre animais, sendo os períodos mais curtos de apenas alguns minutos, enquanto os mais longos podem representar várias horas, embora no geral se observe maioritariamente sessões com duração de pelo menos 30 minutos consecutivos. As vacas demonstram intenção de se deitar começando por procurar um local apropriado, depois iniciam o processo ao farejar a superfície da cama e balancear a cabeça de um lado para o outro junto ao piso. Posteriormente surgem os movimentos normais de decúbito, em que a vaca mantendo a cabeça junto à superfície, dobra uma pata dianteira, apoia-se nas articulações do carpo (uma após a outra) e coloca a perna traseira retraída, por baixo do corpo, do lado pretendido, sobre o qual fica deitada. Por último estica a cabeça para a frente e para baixo, enquanto baixa o corpo para descansar normalmente na posição mais cómoda, que é o decúbito esternal. Nesta posição, a vaca pode esporadicamente, por uma questão de maior conforto, fazer movimentos horizontais e laterais com os membros e cabeça.

No entanto, os animais depois de deitados podem assumir várias posições, sendo a mais comum o já referido decúbito esternal, mas também adotam uma postura lateral, seja na frente, atrás, ou ambas, em que as pernas são dobradas sob o corpo ou estendidas e a cabeça é apoiada ou não pelo pescoço. Estas posturas específicas e menos comuns têm sido relacionadas e associadas às fases de descanso no período de vida mais precoce (fase de vitelos). Por outro lado, as posições assumidas pelas vacas também podem estar relacionadas com o tamanho e conformação do úbere ou na sequência de respostas a necessidades termorreguladoras. A forma como as vacas se deitam e as posturas que adotam podem explicar alguns dos efeitos da qualidade dos cubículos/camas no tempo de repouso.

Vários estudos demonstraram ritmos padrão no comportamento de repouso das vacas, constatando-se que se deitam tanto durante o dia como à noite. Ressalvando que a maioria do tempo de descanso ocorre à noite, sendo esta tendência invertida quando os animais são alojados em estábulos em detrimento de sistemas extensivos com recurso ao pastoreio. As medidas mais utilizadas para avaliação do bem-estar dos animais no que se refere ao parâmetro de repouso são:

  • Tempo necessário para se deitar;
  • Animais a colidir com equipamentos durante o movimento de se deitar;
  • Animais deitados parcial ou completamente fora da área de descanso;
  • Presença de correntes nas instalações.

 

Motivação

Os problemas de bem-estar animal ocorrem frequentemente quando um animal está altamente motivado para expressar um determinado comportamento, mas é incapaz de o demonstrar por limitações de espaço e/ou presença em ambiente condicionado. Investigação centrada nestes aspetos de privação comportamental conseguiu demonstrar que a motivação para realizar o comportamento aumenta quando o animal é incapaz de o manifestar, revelando alguma conduta compensatória como resposta alternativa. Uma possibilidade que muitas vezes é assumida passa por o animal se deitar, mesmo que seja no local indesejado (corredores do estábulo), limitando assim a sensação de frustração prolongada.

A forma como as vacas fazem compensações na decisão de se levantar ou deitar num determinado dia pode fornecer informações sobre a sua motivação para esses comportamentos. Existem boas evidências de que a probabilidade de uma vaca ficar em pé aumenta quando o tempo gasto em lutas para se conseguir deitar é mais prolongado. Da mesma forma, esperaríamos o efeito inverso, ou seja, a probabilidade de se deitar deve aumentar quanto mais tempo a vaca está em pé. Surpreendentemente, vários autores não encontraram relação entre a duração das interações em pé e a probabilidade da vaca repousar.

Outros estudos revelaram que a permanência forçada e prolongada dos animais em pé, tal como a contenção deliberada nos cornadis, afeta bastante a motivação das vacas para repousar posteriormente. Estas também são forçadas a ficar em pé, não por contenção física, mas como resultado de camas inadequadas ou por falta de espaço. Por exemplo, a existência de pisos duros, molhados ou lamacentos limitou drasticamente a motivação dos animais para o adequado tempo de repouso. Também ficou demonstrado que a motivação para uma vaca se deitar aumenta substancialmente após a permanência de quatro ou mais horas consecutivas em pé.

Num estudo em que se privou os animais de descanso e alimentação simultaneamente, quando disponibilizados ambos os recursos nas mesmas circunstâncias de qualidade, verificou-se uma clara preferência pelo repouso em detrimento da ingestão de alimento. Tendo-se contabilizado uma redução de 32% no tempo despendido na alimentação, devido ao aumento compensatório da duração do período de descanso.

 

Indicadores de frustração e comportamentais

Deitar é um comportamento de elevada prioridade para os bovinos e áreas de descanso inadequadas causam grandes problemas para o bem-estar, pois aumentam a incidência de claudicações e alterações no tegumento, levando ao stresse e à frustração.

Quando as vacas são impedidas por algum motivo de se deitar, geralmente realizam mais movimentos de intenção, farejando repetidamente as superfícies de descanso, muitas vezes acompanhando com o balançar da cabeça de um lado para o outro e flexão dos membros anteriores, sem se conseguirem deitar. Por vezes, os animais nas tentativas de se deitarem chegam a colocar os joelhos (carpos) no piso e levantam-se novamente sem completar os movimentos normais até ao decúbito completo. A maioria das experiências que documentaram estas respostas estavam associadas a condições desfavoráveis, tal como uma camada vestigial de material na cama (pouca espessura de areia, serrim, palha, etc.) ou superfícies demasiado abrasivas e duras, típicas dos sistemas de estabulação intensiva mais antiquados. Está demonstrado que as vacas passam mais tempo deitadas em superfícies mais confortáveis, preferindo pisos mais macios para se deitarem.

Os indicadores comportamentais de stresse foram avaliados em situações que forçaram os animais a ficar em pé. Nessas circunstâncias, observou-se diminuição das investidas à manjedoura e manifestação alternada de uma maior gama de atividades comportamentais. As vacas também evidenciaram mais passos e alternância de peso sobre os membros, quanto maior foi o tempo que estiveram forçadas a ficar em pé. Por outro lado, observou-se a manifestação de comportamentos aversivos pelas vacas que se encontravam claudicantes, denotando a existência de dor pelo facto de permanecerem demasiado tempo em pé. No entanto, é também possível que o comportamento de agitado possa funcionar como um meio para evitar a fadiga, através da estimulação de maior circulação sanguínea para os membros. É importante a realização de mais estudos, para determinar se a maior atividade das vacas em determinado momento está ou não associada à frustração.

Vários autores indicam que o risco de claudicação é maior quando as áreas de repouso são desadequadas. O conforto da cama onde os animais se deitam é um fator muito importante a ter em conta na prevenção de claudicações. Se os locais onde os animais descansam não forem cómodos e não os estimularem a deitar-se, estes podem preferir a sujidade dos corredores de passagem para repousarem, o que acarreta consequências muito negativas para a sua saúde e inclusive para a qualidade do leite produzido.

Mudanças no comportamento de repouso também podem aumentar o risco para outras doenças. Períodos demasiadamente curtos de permanência em pé no pós-ordenha, podem aumentar drasticamente o risco de mastite, porque não permitem o encerramento do canal do teto por completo previamente ao contacto com superfícies conspurcadas nas camas.

A maioria dos estudos relatam que, embora as vacas ruminem principalmente enquanto se encontram deitadas, em descanso, também podem ruminar em pé, assim, uma diminuição do tempo de repouso não implica necessariamente a diminuição do tempo de ruminação.

Conclusão

Muitas são as evidências científicas que confirmam a importância do comportamento de repouso nas vacas. Forçar os animais a permanecer em pé durante períodos prolongados de tempo pode resultar na redução substancial do tempo gasto na alimentação e afetar significativamente a sua produtividade. O aumento da motivação para o descanso pode ocorrer quando as vacas são impedidas de se deitar durante 3 a 4 horas, e nestas circunstâncias podem revelar frustração. O risco de claudicação e lesões nas úngulas aumenta com a redução do tempo de repouso, mas isso está muito dependente da superfície em que os animais estão em pé. Reduzido tempo de descanso pode implicar alterações do sistema endócrino com consequências no bem-estar e é suscetível de afetar o sono.

TEXTO: Prof. Doutor Joaquim Lima Cerqueira,
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESA-IPVC);
Centro de Ciência Animal e Veterinária (CECAV), UTAD – Vila Real