Inflação e setor agrícola na conjuntura atual

A inflação elevada causa constrangimentos às economias, sendo uma opinião consensual entre os economistas. Para a agricultura, cujos preços são mais voláteis do que no resto da economia, a inflação exponencia a incerteza, criando riscos adicionais com custo elevado.

Mesmo com tendências de preços crescentes generalizadas, desde os custos dos fatores produtivos até aos preços no produtor, as diferenças de intensidades e de ritmos entre os momentos de pagamento das despesas e de realização da receita criam uma incerteza muito difícil de gerir sem uma capacidade financeira folgada.

 

Preços na Produção agrícola

Estruturalmente, os preços na produção agrícola apresentam não só grande volatilidade mas igualmente uma incapacidade para repercutir na totalidade os aumentos de custos dos fatores. Outra tendência, resultante em parte desta última, é o crescimento dos preços dos bens alimentares no consumidor ser inferior à inflação. São tendências comuns a outros países, mesmo que mais expressivas em Portugal, como se observa no período 2005-2014 (GPP, 2015).

As causas destas evoluções prendem-se, por um lado, com os aumentos da produtividade agrícola induzidos pela economias de escala e a tecnologia (que permitem baixar os custos unitários) e, por outro lado, com os desequilíbrios negociais na cadeia alimentar (que conduzem a que a maior parte dos ganhos seja transferido para jusante).

Após a grave crise financeira que se prolongou até meados da década passada, assistiu-se a um período singular de crescimentos quase nulos de preços. A inflação anual (Índice de Preços ao Consumidor (IPC) médio anual) em Portugal, nos anos de 2015 a 2019, situou-se abaixo de 1%, com uma exceção (1,4% em 2017).

Neste período, a estabilidade dos preços foi generalizada, incluindo os vários segmentos da cadeia alimentar bem como os preços dos fatores de produção agrícolas. Interrompeu-se quer a degradação relativa dos preços agrícolas na produção quer a descida relativa dos preços alimentares face aos outros preços no consumidor (Gráfico 1 e 2). Também a volatilidade foi menor, embora com exceções, nomeadamente os hortofrutícolas e os suínos.

Este quadro de quase estagnação de preços teve, portanto, alguns efeitos positivos sobre o setor, não só pela redução da incerteza mas também pela manutenção da relação preços/custos na cadeia alimentar.

Gráfico 1. Índice de preços dos bens alimentares (2015-2022)

Gráfico 2. Índice de preços agrícolas (2015-2022)

O Impacto da pandemia

No final de 2019, o covid começou a transformar-se na pandemia que todos conhecemos. As suas repercussões acabaram por se fazer também sentir nos preços. O equilíbrio oferta monetária/produção foi alterado com grande intensidade a partir de 2020 sem que, no entanto, tenha provocado no imediato mais inflação. De facto, em 2020, verificou-se uma forte contração do PIB, que em Portugal foi de -8,4%, e, em simultâneo, foram tomadas uma série de medidas que visaram assegurar a liquidez das famílias e das empresas mas os confinamentos conduziram a uma diminuição acentuada da velocidade de circulação da moeda, o que anulou o efeito inflacionista do desequilíbrio. Em Portugal, em 2020, verificou-se mesmo uma muito ligeira deflação (-0,01%, em média anual, INE) (Gráfico 3 e 4).

Gráfico 3. Oferta de moeda (M3) Zona Euro: taxa de variação anual

Gráfico 4. PIB Zona Euro: taxa de variação anual (a preços do ano anterior)

Neste contexto, deu-se uma outra singularidade, que foi o aumento, também em 2020, dos preços dos bens alimentares no consumidor em 4% em contraste com os restantes. As razões deste aumento dever-se-ão provavelmente a uma valorização subjetiva conjuntural dos bens alimentares em resultado do receio de interrupções do abastecimento alimentar. De facto, não foi causado por efeitos a montante pois o aumento dos preços no produtor e dos respetivos custos foi de apenas 1%, em 2020.

Em 2021, dois fenómenos começam a pôr termo à estabilidade de preços:

  1. A retoma do consumo significou a aceleração da velocidade de circulação da moeda (por ex., a taxa de poupança das famílias em Portugal passou de 7% no final de 2019 para 12% no final de 2020 e baixou para 10% em 2021), concretizando o potencial inflacionista anterior.
  2. Já vinha de trás, mesmo de antes da pandemia, as disrupções nas cadeias de abastecimento global causaram um aumento dos custos. (The Economist, 2022).

Em meados de 2021, alguns preços começam a acelerar, nomeadamente, energia e transportes, e, no final de 2021, a inflação média já ultrapassou os 2%. O processo tem prosseguido em 2022, sendo que, em Fevereiro, a variação homóloga dos preços no consumidor da energia foi de 15%, dos transportes, 8,5%, e da alimentação, restaurantes e despesas de habitação, 5%. A variação homóloga do índice de preços ao consumidor (IPC) foi 4%.

A invasão da Ucrânia, no final de Fevereiro, acelerou todas as tensões, sendo que a variação homóloga global dos preços ao consumidor em Outubro de 2022 ultrapassou os 10%.

No que diz respeito aos preços agrícolas, verificaram-se igualmente subidas, parecendo que em média estão a refletir os aumentos de custos dos fatores. No entanto, as contas não são evidentes, as receitas futuras que irão cobrir os custos presentes são incertas e os resultados são muito diferenciados. Por exemplo, de acordo com Francisco Avillez e Gonçalo Vale (AGROGES, 2022), “(…) para a atual campanha de produção, foi-nos possível concluir que, no caso (…) do arroz, do milho grão, do trigo e do tomate e da batata para indústria, é de prever um efeito relativamente positivo (…) da uva para vinho, da azeitona para azeite, da amêndoa e da pêra Rocha é de prever (…) um impacto global negativo sobre os respetivos resultados económicos.”

Para além destas diferenças, os preços agrícolas no produtor em termos médios estão longe de beneficiar dos aumentos dos preços dos alimentos no consumidor, que atingiram uma variação homóloga em Outubro de quase 19%.

 

No futuro próximo, o que poderemos esperar da evolução dos preços?

O efeito de propagação por inércia da inflação irá continuar pelo menos no próximo ano. As previsões para a inflação em Portugal apontam para alguma desaceleração, de 8%, em 2022, para 6%, em 2023 (Comissão Europeia, 2022).

Os efeitos das políticas sobre a inflação arriscam-se a ser escassos. De facto, o BCE e os governos dos EM promovem medidas de efeitos contrários sobre a inflação, acusando-se mutuamente desse facto. Por exemplo o presidente de França Emmanuel Macron, a primeira-ministra de Itália Giorgia Meloni e o ministro das finanças de Portugal Fernando Medina expressaram preocupações sobre a velocidade com que o BCE está a subir as taxas de juro. (Politico, 2022)

Por sua vez, Lagarde redobrou os pedidos para que os governos assegurem que as medidas fiscais sejam contidas: “Tenho repetido muitas, muitas vezes a famosa tripla, as medidas devem ser temporárias, focadas e bem desenhadas”.

As tensões geoestratégicas manter-se-ão mesmo com o fim ou a “normalização” da guerra na Ucrânia. Deste modo, é expectável que prossiga a tendência nas cadeias de abastecimento internacional de mudança de foco, da eficiência para a garantia do abastecimento regular, continuando a gerar mais inflação no futuro próximo, como se refere em The Economist.

É, portanto, de esperar que uma inflação elevada prossiga no próximo ano. O risco associado à inflação vai-se manter e os agricultores vão ter que o considerar nas suas tomadas de decisão. É um custo que não irá desaparecer no curto prazo.

TEXTO: Bruno Dimas, Susana Jorge e Rui Trindade,
Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral – GPP