Gestão das mudanças no clima e no setor agrícola

 

As estratégias, europeias e nacionais, de desenvolvimento e sustentabilidade dos diferentes sistemas de produção agrícola apontam para a adaptação à evolução das condições climáticas nas próximas décadas. Nesse sentido, estão a ser aplicadas medidas concretas para o aumento da produtividade das culturas e da racionalidade no uso dos recursos, que estão na base das políticas de “uso eficiente”, de “crescimento verde” e de “economia circular”, entre outras.

 

O nexo água-energia-alimentos

Face ao crescimento populacional, ao desenvolvimento económico e às mudanças climáticas, existem projeções, a nível mundial, que indicam uma maior procura por recursos alimentares, hídricos e energéticos (FAO, 2014). No contexto do Nexo Água-Energia-Alimentos, verifica-se a necessidade de encontrar soluções equilibradas, que se apliquem aos ecossistemas agrícolas, que envolvem a disponibilização e uso desses recursos de forma interdependente.
Considere-se, à escala de uma exploração agrícola, a especificidade das condições de um “sistema solo-planta/animal-atmosfera”; constata-se que existe uma dinâmica de relações entre um “sistema” e os designados “balanços de recursos naturais”: 1) hidrológico; 2) de energia; e 3) de nutrientes (Figura 1).

FIGURA 1. Balanços de recursos naturais envolvidos no sistema solo-planta/animal-atmosfera

Nos ecossistemas agrícolas, para se alcançarem as metas de sustentabilidade e competitividade, são necessários elevados níveis de produtividade e eficiência. No entanto, pela avaliação dos balanços “naturais” integrados nos ecossistemas agrícolas, observa-se que os recursos poderão ser insuficientes ou excessivos para a produção. Com essa avaliação, realizada regularmente através de indicadores agroambientais, obtém-se informação que permite destacar práticas mais favoráveis para dar resposta às condições menos sustentáveis. Por exemplo, “boas práticas” de rega/drenagem e de fertilização, ou a utilização de águas residuais tratadas e de energias renováveis.

Na perspetiva dos balanços dos recursos, que apresentam interligações entre si e com o sistema de produção agrícola, são enquadradas diversas componentes. Em termo de maior importância e visibilidade por parte da área agrícola, destacam-se nesses balanços:

a) A “precipitação” e a “transpiração” (ou “evapotranspiração”, por combinação com a “evaporação”), como componentes do ciclo da água (Figura 2) mais diretamente associadas ao nível de produção vegetal, e a “infiltração” com informação relevante para acompanhar a evolução do teor de água no solo. À escala da exploração agrícola e para a especificidade do seu “sistema solo-planta/ animal-atmosfera”, os dados dessas componentes do balanço hidrológico (referentes, preferencialmente, a curtos períodos de tempo: 1 a 10 dias) trazem informação ao Produtor sobre as disponibilidades e as necessidades de água. Neste âmbito, a recolha de informação dos aparelhos/ serviços de meteorologia e a instalação de sensores no campo tornam-se crescentemente cruciais. Relativamente à capacidade de infiltração e às condições hídricas do solo, revela-se de grande importância ter informação sobre características como a textura, a estrutura e a profundidade; também a caracterização do declive e do coberto vegetal é necessária para a avaliação de riscos de escoamento superficial e de erosão. Destaca-se ainda a necessidade de informação climática de base estatística para períodos históricos longos (usualmente superiores a 20 anos) que permite encontrar valores médios e padrões de ocorrência das componentes de um balanço hidrológico; contudo, devido às mudanças climáticas, existirá uma maior probabilidade de eventos extremos que poderão alterar a normalidade do programa anual de produção.

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FIGURA 2. Ciclo da Água envolvendo as componentes de um Balanço Hidrológico aplicado à produção agrícola

b) A “energia radiante” do Sol deve ser crescentemente introduzida na avaliação do potencial produtivo de um ecossistema agrícola. Em particular, os valores registados nos processos de evapotranspiração (balanço hídrico) e de fotossíntese (balanço de nutrientes) dependem da magnitude desse fluxo. Por outro lado, o setor agroalimentar é um grande utilizador de energia com a produção, o armazenamento e o transporte de alimentos, e/ou com a distribuição e uso da água; uma maior importância é hoje dada à produção e utilização das energias renováveis e, no setor, existem já hoje situações em que a opção pela produção de biogás a partir de resíduos/biomassa, ou de energia fotovoltaica, é economicamente válida. Como, por exemplo, em estações de bombagem de água com painéis fotovoltaicos. A informação sobre o potencial energético de uma região pode ser consultada no Portal do Clima (www.portaldoclima.pt), desenvolvido para apoiar tomadas de decisão no âmbito da adaptação às alterações climáticas (Figura 3). Com base nos dados médios mensais, verifica-se que o valor acumulado de energia atinge anualmente, nas áreas mais centrais de Portugal Continental, 1750 kWh/m2. Considerando um rendimento de 15-20%, um painel fotovoltaico pode assim produzir anualmente cerca de 300 kWh/m2.

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FIGURA 3. Evolução do fluxo de energia radiante na área de Lisboa

c) Vários ciclos de nutrientes são integrados no quadro de um ecossistema agrícola, observando-se numerosas interações com os balanços de energia e hidrológico. Destaca-se que: 1) os elementos químicos presentes no solo/rochas, no ar e na água, ou disponibilizados em estrumes e fertilizantes (por exemplo, os macronutrientes azoto, fósforo, potássio), são transferidos e transformados pelos seres vivos; 2) a água é necessária para o transporte dos nutrientes do solo para as plantas; 3) numa cadeia alimentar, os seres fotossintéticos captam e transformam a energia do Sol em energia química, ou seja, há produção de nutrientes orgânicos (matéria orgânica); 4) a matéria orgânica constitui o alimento dos animais.

A diferentes escalas, os ciclos de nutrientes requerem avaliações ao nível agroambiental para se aferir do seu impacto em questões de risco para os ecossistemas. No ciclo do carbono, as produções animal e vegetal ou de estrumes têm um impacto direto nos níveis de dióxido de carbono e de metano. Nos ciclos do azoto e do fósforo são equacionados aspetos de produtividade, mas também de poluição, tanto no solo como no meio hídrico. Consequentemente, as monitorizações pelas entidades públicas ligadas ao ambiente e à agricultura são hoje uma ação regular, com objetivos tanto de apoio à implementação de adaptações mais sustentáveis nas atividades agrícolas (por exemplo, agricultura de conservação e de precisão), como de lançar alertas sobre a existência de vulnerabilidades ecológicas (EEA, 2012).

Atualmente, para além da produção de alimentos (ou de plantas medicinais e de fibras), o setor agrícola deve promover os designados “serviços dos ecossistemas”, em vertentes de regulação (e.g. habitats/ biodiversidade, clima, fertilidade, polinização) e sociais (e.g. rendimento familiar, nutrição e qualidade alimentar, herança cultural) (Luz & Ferreira, 2019). Por outro lado, mesmo com estratégias de sustentabilidade e racionalidade no uso dos recursos naturais, haverá sempre algum peso de custo ambiental, que se pretende seja inferior aos benefícios alcançados pelo setor agrícola. Assim, pode-se concluir que a atividade agrícola tem uma crescente interação com os balanços naturais e estabelece estruturas que contribuem para a melhoria ou para a degradação dos ecossistemas; de entre os contributos positivos registam-se a conservação dos recursos hídricos e o aumento do armazenamento do carbono (ou redução de emissões), com particular importância na regulação climática à escala regional.

 

A intensificação agrícola e a agroecologia

A uma escala global, a “segurança alimentar” é um tópico complexo que envolve os domínios da água, da energia, do clima e da migração, entre outros. É de referir que o setor agroalimentar enfrenta riscos acrescidos associados a fenómenos de alterações climáticas; atualmente, são observadas quebras de produção devido a condições de escassez de água, de perda, erosão e salinização dos solos agrícolas, e de aumento de pragas e doenças, agravadas pelo impacto negativo desses fenómenos.

A “intensificação agrícola” é necessária para a segurança alimentar de uma população crescente; promove novas tecnologias e um grau elevado de mecanização para se atingirem maiores produtividades físicas. Com essa intensificação, há que evitar a degradação ambiental. As políticas de âmbito agrícola, alimentar e nutricional devem ser realinhadas na procura de soluções integradas e de compromisso com as vertentes ambientais, económicas e sociais.

Nas estratégias de desenvolvimento e mudança do setor agrícola, os “agroecossistemas” têm vindo a ganhar importância; mesmo envolvendo a intensificação, são cada vez mais implementadas as ações de adaptação às mudanças climáticas e as medidas de conservação dos habitats (nomeadamente florestais e de zonas húmidas) e dos recursos (água, energia, nutrientes e biodiversidade). Como exemplos, as boas práticas e recomendações que envolvem estes sistemas de produção agrícola deverão promover:

  1. Variedades regionais melhor adaptadas e/ou mais eficientes com a água e com o azoto;
  2. A utilização mais racional e precisa de fertilizantes e pesticidas;
  3. O armazenamento de águas pluviais e residuais tratadas;
  4. Ferramentas/equipamentos que previnem a degradação do solo;
  5. Sistemas de rega mais eficientes, dimensionados (caudais, pressões) e programados (gestão da rega) para as condições edafoclimáticas locais;
  6. Metodologias para medição e/ou previsão do teor da água no solo;
  7. Procedimentos de monitorização e avaliação da qualidade dos recursos naturais;
  8. O aproveitamento de energias renováveis.

 

As inovações na agricultura e as políticas de desenvolvimento sustentável

O crescimento do conhecimento técnico-científico e as inovações nos processos produtivos do setor agrícola têm objetivamente gerado mudanças que apontam para soluções mais competitivas e sustentáveis. As práticas de intensificação e especialização nas explorações para o aumento da produção agropecuária devem ser implementadas com a perceção do seu impacto nos ciclos da água e dos nutrientes. Neste contexto, de vertentes agroambientais e socioeconómicas, estão a ser disponibilizados programas e serviços que combinam observações por satélites, por estações e por sensores no terreno; os dados assim obtidos e os de séries históricas e estatísticas são aplicados em modelos agrometeorológicos e biofísicos e a diferentes escalas, de âmbito regional ou nacional.

Gera-se variada informação que permite avaliar, por exemplo, níveis de biodiversidade e de vegetação (NDVI), pressões nas áreas protegidas, previsão de colheitas, ou ainda mapear a população, monitorizar a segurança alimentar e estabelecer sistemas de alerta (GEO – http://earthobservations.org). Para além do acesso direto a esta informação, o setor tem também um grande número de serviços públicos e empresariais de consultoria que podem programar as atividades à escala da exploração com base nesse tipo de informação e utilizam sistemas de indicadores e de apoio à decisão para quantificar riscos (por exemplo, de escassez de água) e facilitar as melhores opções.

No enquadramento das políticas nacionais com impacto nos aspetos agroambientais e climáticos destacam-se o PDR2020 – “Programa de Desenvolvimento Rural do Continente 2014-2020”, o PAEC – “Plano de Ação para a Economia Circular” e o CCV – “Compromisso para o Crescimento Verde”. Na legislação do PDR2020 e no âmbito da Ação 7.5 – “Uso eficiente da água” foi instituído o “Sistema de reconhecimento de regantes (Portaria 136/2015), que estabeleceu compromissos para se assegurar uma maior sustentabilidade no uso do solo, da água, da energia e de fertilizantes. Este sistema assenta na atribuição do “título de regante” aos agricultores que adotem comportamentos que permitam, por um lado, melhorar a adequação da dose de rega e da sua oportunidade (com base em balanços hídricos) e, por outro, otimizar o desempenho do seu sistema de rega (e.g. uniformidade de rega elevada). Os equipamentos de rega são inspecionados para aferir os consumos de água e energia, é também obrigatória a elaboração de um plano de fertilização e os registos das atividades são obrigatoriamente atualizados ao longo do ciclo cultural.

O PAEC (Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017) apresenta estratégias que se traduzem em vantagens ao nível da redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), através da melhoria na gestão de resíduos e redução das necessidades de recursos primários. No setor agrícola pretende-se objetivamente melhorar a eficiência hídrica, aumentar a reutilização de água e melhorar a recirculação de nutrientes. A investigação tem um papel-chave nas ações e deverá integrar plataformas de ação, com interações com empresas, comunidades e consumidores, para a troca de conhecimento e para apoiar o desenvolvimento de boas práticas.

O CCV (www.crescimentoverde.gov.pt) é um instrumento estratégico que assume a necessidade nacional de enfrentar as crises associadas ao clima, aos recursos hídricos, à biodiversidade e ao aumento dos consumos ao nível da água-energia-alimentos (recursos integrados num “nexo”, neste artigo). O CCV fixa vários objetivos para 2020 e 2030, entre os quais, contribuir para o crescimento económico, a eficiência e a sustentabilidade. Dos indicadores que apresentam metas concretas constam as eficiências hídrica e energética, a redução de emissões de CO2 e o reforço do peso das energias renováveis.

Nota final

A melhoria conjugada da sustentabilidade e competitividade do setor agrícola, num panorama de crises alimentares, de escassez de recursos e climáticas, é um desafio de âmbito global que exige o desenvolvimento e concretização de compromissos exigentes. As soluções e decisões, apoiadas sobretudo por informação de estatísticas e numerosos indicadores (agroambientais e socioeconómicos), devem envolver de forma crescente parcerias entre empresas e instituições do setor, e procurar estabelecer valores de equilíbrio entre “desvios” admissíveis, nomeadamente de consumos e de restrições. Acrescem às estruturas de informação, as áreas da divulgação e formação, que hoje têm uma forte base tecnológica, a qual tem vindo a proporcionar uma assistência muito direta aos Produtores, técnicos e decisores.

Texto: Doutor Paulo Brito da Luz. INIAV, I.P | Fonte: Vida Rural | Nota: Bibliografia cedida mediante solicitação.