
Fatores ambientais que condicionam o tempo de descanso em bovinos
Variabilidade no descanso
As vacas nos sistemas de produção, que apresentam alguma forma de contenção ou em estabulação livre com cubículos repousam em média 10 a 12 horas por dia, enquanto em pastoreio manifestam menos este comportamento, permanecendo até 9 horas por dia em descanso. No entanto, o intervalo médio de repouso dos animais entre explorações com o mesmo sistema de produção é muito variável (8,7 a 13,5 h/dia em estabulação convencional e 6,1 a 12,1 h/dia em pastagem). Isto significa que o tempo médio de repouso das vacas entre explorações é multifatorial, ou seja, depende muito das caraterísticas das instalações, cubículos e qualidade das camas, assim como do maneio geral dos animais no dia-a-dia.
Restrições na alimentação e ordenha
O tempo despendido em alimentação e na ordenha, incluindo o tempo gasto na sala de espera, na maioria das vezes, não influencia significativamente o tempo de descanso diário dos animais. Segundo a literatura, o conjunto de comportamentos sociais e de abeberamento, normalmente não ultrapassam 1 hora/dia, e por isso, não se espera que essas atividades tenham um grande efeito no tempo global de descanso.
Além disso, em alguns sistemas de produção, as vacas também são contidas nas guilhotinas, enquanto aguardam por controlos de saúde ou protocolos de reprodução animal. Deve-se ter atenção para que estas formas de contenção sejam esporádicas e muito pontuais, assim como de curta duração, por forma a não interferir no tempo de descanso global e bem-estar dos animais.
Existe evidência científica de correlações negativas consideráveis entre o tempo de alimentação e de repouso para vacas estabuladas em sistema livre com cubículos, no entanto, pequenos acréscimos no primeiro (<1 h/dia) não resultaram em alterações no segundo comportamento.
Constatou-se que vacas alimentadas com uma dieta de baixa energia passaram 6,5 horas em alimentação e cerca de 11 horas em repouso, enquanto as vacas alimentadas com uma dieta de alta energia gastaram 5 horas em alimentação e 12,5 horas/dia deitadas.
Num estudo com vacas leiteiras, foi possível aumentar o tempo de alimentação de 6,6 para 8,8 horas/dia, permitindo o acesso à pastagem entre 16 a 18,5 horas/dia em detrimento de alimentação apenas com alimento completo (TMR). Com esta mudança na alimentação, observou-se uma diminuição do tempo de repouso, contudo, esse decréscimo (10,3 para 9,7 horas/dia) foi muito inferior comparativamente à atividade de alimentação.
Em alguns casos, os períodos de repouso podem sofrer interferência pelas alterações nas dinâmicas de alimentação, nomeadamente pelo aumento da densidade animal no estábulo (aumento da concorrência à manjedoura), principalmente quando não é garantida a existência de uma guilhotina por vaca, ou o espaço de acesso à manjedoura de 70 cm por animal. O aumento da competição entre vacas reduziu os tempos de alimentação e repouso, provavelmente porque estas estavam a desperdiçar mais tempo ao ter que aguardar por uma oportunidade de acesso ao alimento.
Quando o fornecimento de alimento na manjedoura duas vezes ao dia foi retardado, observou-se um aumento do período de alimentação de 12,5%, tendo-se constatado também uma redução da motivação dos animais para repousar após a ordenha em cerca de 20 minutos, não influenciando, porém, o tempo diário de descanso.
No gráfico 1, é possível observar a relação entre o tempo médio que as vacas passaram deitadas e o tempo despendido em alimentação em três sistemas distintos de alojamento de vacas leiteiras.
Nesta comparação, foram incluídos 39 estudos, em que se monitorizaram os tempos de descanso e de alimentação das vacas, simultaneamente, por mais de 24 horas.
Esta figura mostra que o tempo médio de pastoreio nos animais ao ar livre é mais variável entre os estudos do que o tempo de alimentação das vacas em estabulação (livre ou presa) e que os tempos mais baixos de descanso observados na pastagem (<9,3 h/d) ocorrem quando os tempos de pastoreio são mais longos (>7,9 h/d). Por sua vez, os períodos de alimentação na estabulação presa e livre oscilaram entre 3,1 a 7,7 horas/dia, neste caso com períodos de descanso entre 9,4 a 13,1 h/dia.
Se as vacas demonstram maior preferência pelo pastoreio em detrimento do descanso, perante pastagens abundantes e de qualidade, pode deduzir-se que ambos os comportamentos são atendidos, não havendo motivo para preocupação. No entanto, constatou-se que a redução da disponibilidade de pasto na parcela aumentou o tempo de pastoreio levando à redução forçada do descanso principalmente após a ordenha da manhã. Por outro lado, o aumento dos períodos de ordenha acima de 3,3 horas por dia na exploração foi associado a uma redução no tempo de repouso geral das vacas.
Os períodos de ordenha longos que resultam em tempos de descanso inferiores ao desejável são mais problemáticos do que as compensações com a alimentação, dado que os animais muitas vezes não possuem alternativa, principalmente quando são aglomeradas durante longos períodos de tempo na sala de espera para a ordenha (>1 hora) em pisos de cimento.
Densidade animal
O principal fator com influência no tempo de descanso das vacas em sistema de estabulação livre é a disponibilidade de um cubículo para cada animal. A sobrelotação dos estábulos é um problema recorrente e que coloca em causa a saúde e bem-estar dos animais, fundamentalmente no que se refere ao acesso restringido à manjedoura e aos cubículos.
Todos os estudos revelam que o tempo médio de descanso num efetivo de vacas leiteiras é reduzido quando a densidade de lotação é superior a 1,2 vacas por cubículo disponível na exploração. No entanto, os tempos médios obtidos na exploração podem ser enganadores, uma vez que as vacas submissas, pelo seu estatuto social inferior no efetivo, são mais suscetíveis de perturbação pelas vacas dominantes, sendo deslocadas com maior frequência entre diferentes cubículos, o que prejudica os períodos de descanso mais duradouros.
Alguns investigadores mencionaram maior variabilidade e comprometimento do tempo de descanso à medida que a densidade animal aumenta (≥1,2) e observaram uma correlação positiva entre o tempo de repouso e a dominância social de cada animal dentro do efetivo. Além disso, as vacas foram perturbadas pelas coabitantes e obrigadas a uma movimentação mais frequente entre cubículos, perante densidades de lotação superiores. Importa referir que o tempo médio de descanso numa exploração estará muito dependente de fatores como, desenho do cubículo e tipo de cama, o que pode dissimular os efeitos diretos atribuídos à problemática da densidade animal. Apesar destas ressalvas, é evidente que maiores densidades de lotação contribuem significativamente para a redução das oportunidades de acesso ao descanso, limitando a capacidade de a vaca expressar a sua motivação para realizar este comportamento.
Em novilhas (com aproximadamente 300 kg de peso vivo) em estabulação com piso ripado na zona de alimentação e palha de cama profunda na zona de descanso, foi possível constatar que o aumento do espaço disponível na área de repouso de 1,8 m2 para 2,7 m2 por animal resultou no comportamento de descanso sincronizado, mas teve pouca influência no tempo médio de repouso por animal (13,3 horas/dia), sendo contudo, este último valor o mais recomendado para estes animais.
Tipo de superfície da cama
De entre os principais materiais utilizados nas camas dos cubículos, revelando-se superfícies mais macias e genericamente acessíveis, destacam-se a palha, o serrim, a areia e a borracha. Num estudo epidemiológico realizado em larga escala, em 141 explorações demonstrou-se que a cama de areia estava associada a um tempo de descanso 1,4 horas/dia superior comparativamente às outras superfícies.
A preferência das vacas por alguns tipos de materiais das camas pode também estar relacionado com o seu grau de isolamento térmico, assim como com a temperatura no interior do estábulo. Os tipos de camas referenciados possuem caraterísticas muito diversas, na medida em que permitem maior ou menor facilidade na dissipação do calor corporal durante o descanso. Principalmente nas épocas de maior calor, a subida do índice temperatura-humidade, que pode levar os animais a sofrer de stresse térmico, demonstrou preferência das vacas por aparas de madeira e areia relativamente a superfícies de plástico sintético, que naturalmente possuem maior grau de isolamento térmico.
Nas camas com materiais naturais, a espessura das mesmas pode ser um fator crítico, tendo os animais demonstrado maior preferência pelas superfícies mais espessas em prejuízo dos espaços com material vestigial (pouca profundidade). A distribuição do material na cama revela-se igualmente importante, havendo necessidade de manter os espaços devidamente higienizados em superfícies planas e secas. Existe evidência suficiente de que as vacas passam menos tempo deitadas em superfícies molhadas, preferindo pisos enxutos. Mesmo nos animais com acesso a espaço exterior em terra batida, verificou-se que despendem menos tempo deitados em condições lamacentas, comparativamente a solos com boa drenagem.
Alguns estudos revelaram períodos de descanso mais longos para vacas alojadas em estábulos com pisos de cimento nos corredores de passagem, relativamente aos pisos de borracha. Nas estações do ano com temperatura ambiente mais elevada (primavera e verão), verificou-se que as vacas afetadas por stresse térmico despendem menos tempo deitadas, estimando-se que o tempo diário de repouso é reduzido em cerca de 20 minutos, por cada aumento de 1°C da temperatura ambiente no estábulo.
Conclusão
O tempo de descanso das vacas pode ser afetado pelo tipo de estabulação e fatores de maneio, mas em média, as vacas passam entre 10 a 12 horas deitadas por dia, tanto na estabulação presa como na livre, enquanto na pastagem este valor decresce ligeiramente. Ordenhas retardadas e com tempos longos de demora na sala de espera, limitam a motivação das vacas para o descanso. Quando descansam menos tempo, poderão estar a ser afetadas por condições de estabulação desfavoráveis, incluindo cubículos sem as dimensões adequadas, ou falta deles, e camas desconfortáveis ou húmidas. É importante manter os estábulos devidamente refrigerados, principalmente, em períodos de maior calor, para que os períodos de descanso dos animais não sejam prejudicados. Também não será de descurar a interação entre os diferentes fatores, ou seja, períodos de ordenha longos podem ser agravados se as rotinas de alimentação sofrerem atrasos, principalmente quando associados a elevadas densidades animais.