Estado emocional dos bovinos
O esforço para desenvolver métodos de avaliação de bem-estar animal nas Explorações pecuárias começou a representar maior importância sobretudo desde o ano 2000, tendo na década até 2010 surgido diferentes protocolos com grande aplicabilidade prática. Em todo o mundo, os consumidores estão cada vez mais preocupados com o bem-estar dos animais de produção. Estes desejam cada vez mais que os seus alimentos sejam produzidos e processados com redobrada atenção à proteção animal. Para dar resposta a estas exigências, vários esquemas de bem-estar social foram desenvolvidos para avaliar e melhorar os sistemas de produção animal. Com o desenvolvimento do projeto Welfare Quality, foi criado um protocolo de avaliação de bem-estar em bovinos leiteiros, que inclui a avaliação do estado emocional dos animais através da técnica designada por “Avaliação Qualitativa do Comportamento” (QBA – Qualitative Behaviour Assessment). As pontuações de QBA estão correlacionadas com a condição fisiológica e comportamental dos animais e podem contribuir substancialmente para a avaliação do bem-estar, pois permitem estimar o estado dos animais e a sua relação com o ambiente num determinado momento.
Existem evidências de correlações significativas entre interações sociais e pontuações positivas de QBA em vacas leiteiras, indicando que o comportamento agonístico foi correlacionado com comportamento agressivo, enquanto vacas que realizavam lambidas sociais foram pontuadas como mais brincalhonas e sociáveis.
Descritores de QBA
A avaliação qualitativa do comportamento (QBA) é uma componente importante nos estudos de bem-estar animal. Este método baseia-se na integração da observação do comportamento animal utilizando descritores qualitativos. O QBA resume os diferentes aspetos do animal na dinâmica de interação com o ambiente que o rodeia. O estado emocional positivo é estimado através da avaliação comportamental qualitativa. Esta consiste na observação da linguagem corporal do animal quando em interação com outros animais e com as instalações.
Vários estudos demonstram que o QBA pode ser uma ferramenta valiosa para avaliar a expressão comportamental dos bovinos estabulados ou em regime extensivo. Os descritores de avaliação são expressos numa escala visual analógica, na qual o mínimo representa baixa expressividade e o máximo expressividade evidente na maioria dos animais observados. São avaliados vinte descritores: atividade, frustração, irritação, relaxamento, amizade, inquietação, amedrontamento, aborrecimento, sociabilidade, agitação, brincadeira, apatia, calma, ocupação, contentamento, satisfação, animação, angústia, indiferença e curiosidade. O perito divide a Exploração em oito pontos de observação para avaliar a atividade do animal individualmente e ao nível de grupo. O tempo total de observação não deve exceder os 25 minutos e, portanto, o tempo despendido em cada ponto de observação depende do número de locais selecionados na exploração.
Um dos maiores problemas desta avaliação reside na fiabilidade das avaliações intra e inter observadores, dado tratar-se de um método bastante subjetivo. A fiabilidade está relacionada com a precisão inter observador, ou seja, durante a avaliação é esperado que dois peritos com a mesma experiência observem e pontuem o descritor com a mesma classificação. Por outro lado, perante a repetição de um teste realizado pelo mesmo técnico, os resultados deveriam ser exatamente os mesmos. Contudo, para certos indicadores de caráter mais subjetivo, a fiabilidade é baixa, como em observações de comportamentos espontâneos e sinais clínicos de doenças.
Para este tipo de indicadores também se colocam alguns problemas de viabilidade de execução, encontrando-se esta diretamente relacionada com o tempo necessário para a medição dos indicadores, ou a facilidade de recolher e registar algum descritor, ou a disponibilidade do produtor para responder a determinadas questões. Todos estes fatores vão influenciar o tempo total dedicado ao protocolo de bem-estar animal em cada Exploração.
Descritores da avaliação qualitativa do comportamento (QBA) em vacas leiteiras
- Ativo: Envolver-se numa atividade de forma consciente, independentemente da atividade motora, pode estar a descansar, mas atento.
- Frustrado: A motivação não pode ser satisfeita, pode levar a compulsão ou comportamento de substituição.
- Irritado: Os animais ficam facilmente chateados e irritados ou agitados.
- Relaxado: A linguagem corporal é fácil, os animais não parecem stressados.
- Amigável: Os animais demonstram simpatia por outros animais e humanos.
- Inquieto: Preocupação física ou mental, desconforto a longo prazo.
- Medroso: Ter medo, mesmo que não esteja relacionado com algo que acontece no ambiente, fugir, parece ansioso, afasta-se ou fica completamente imóvel.
- Tédio: Animais estão ociosos ou ativos sem nenhum objetivo, sem motivação detetável para se envolver em qualquer tipo de atividade (resultados de falta prolongada de estímulos).
- Sociável: Procurando ativamente o envolvimento social.
- Agitado: Inquieto, um animal pode ficar parado e ser agitado, preocupado ou chateado, excitado e perturbado.
- Brincalhão: Muito ativo, feliz e querendo divertir-se, atrevido.
- Apático: Ter ou mostrar pouca ou nenhuma emoção, animal indiferente.
- Calmo: Tranquilo, calmo e silencioso no desempenho das atividades.
- Positivamente ocupado: As ações dos animais expressam que sentem prazer no que fazem numa dada situação.
- Feliz: Exibindo emoção, alegria e prazer numa determinada situação.
- Angustiado: Adaptabilidade difícil, resultando em incapacidade de ação; os animais renunciam, retiram-se completamente.
- Animado: Uma vaca animada está ocupada em diferentes atividades. É ativa, animada, cheia de vida e energia.
- Satisfeito: Os animais expressam satisfação geral com a sua situação de vida e parecem mentalmente equilibrados, com controlo absoluto da sua situação.
- Indiferente: Os animais estão conscientes do seu ambiente e estímulos, mas não se envolvem em atividades ou não reagem a estímulos.
- Inquisitivo: Desejo de realizar exploração ativa do meio envolvente em busca de novas experiências e estímulos.
Resultados expectáveis
O esperado e desejável na exploração de bovinos leiteiros é que os animais se encontrem relaxados e calmos, sem sinais evidentes de tensão ou agitação e com movimentos lentos e pausados. A interação e proximidade entre animais, representada pelo descritor sociabilidade, também é importante que seja observada. A manifestação pelos animais de comportamentos de curiosidade, como explorar o ambiente e examinar certos locais no meio onde se encontram também é visto como muito positivo.
Por outro lado, não é desejável observar-se comportamentos negativos, como medo, agitação e agressividade. O medo na maioria das vezes é percetível numa Exploração, através de comportamentos como afastar ou focar o olhar em qualquer elemento e depois fugir. Também se deve ter especial atenção aos comportamentos de agitação, quando os animais apresentam movimentos bruscos e se mostram reativos. Por vezes também surgem os comportamentos agonísticos, manifestados através de sinais de luta entre animais, principalmente em Explorações com restrições de espaço ou de recursos, em situações de elevada densidade animal, que geram conflitos e maior grau de agressividade. Estes comportamentos também podem ocorrer mais facilmente no corredor de alimentação, junto à manjedoura ou nos parques de espera para a ordenha, identificados muitas vezes como locais com permanente carga animal.
Por fim, ainda podem manifestar-se os estereótipos, também designados de comportamentos anómalos, que são definidos como movimentos repetitivos, regulares e aparentemente sem possuir nenhum objetivo útil. As frustrações são a principal força geradora das estereotipias, sendo as mais observadas em bovinos:
- Morder as barras do estábulo;
- Lamber paredes ou outros equipamentos;
- Enrolar a língua (tongue-rolling);
- Sucção cruzada (cross-sucking);
- Auto sucção (self-sucking);
- Lamber a água (water licking).
Para ultrapassar estes problemas recomenda-se especial atenção ao maneio dos animais e sempre que possível atuar ao nível do enriquecimento ambiental dos estábulos. Este pode ser conseguido através da instalação de escovas rotativas, música ambiente, redução da densidade animal e reagrupamento de animais em períodos noturnos, que estimulam substancialmente a gama de comportamentos padrão dos bovinos. O enriquecimento ambiental é uma estratégia que ajuda os animais a ultrapassar momentos de stresse, previne a frustração e aumenta a satisfação das suas necessidades comportamentais, melhorando a aptidão física e o desempenho reprodutivo e produtivo.
Conclusão
A avaliação do estado emocional dos bovinos depende muito da capacidade do observador e da sua aptidão para integrar detalhes do comportamento do animal no ambiente que o rodeia. Os descritores comportamentais revelam não tanto o que um animal executa fisicamente, mas como se expressa na sua dinâmica diária e por isso possuem uma conotação emocional relevante para o bem-estar animal. É manifestamente indesejável que os animais expressem comportamentos negativos como apatia, agitação, medo ou agressividade. Recomenda-se às Explorações, cujos animais exibam estes tipos de comportamentos, que o produtor tenha em especial atenção a reorganização das suas práticas de maneio e implementação de estratégias de enriquecimento ambiental.