Enriquecimento ambiental em vitelos: do mito à realidade
Na grande maioria dos países da Europa e do mundo em que a produção de leite de vaca tem alguma expressão, tem-se verificado uma tendência crescente na adoção de sistemas de produção em estabulação permanente, que pode também beneficiar a componente ambiental, ao resultar na redução da lixiviação de nitratos e fósforo em reservas de água. Além disso, manter os animais estabulados beneficia o seu bem-estar, porque os protege de predadores (principalmente os vitelos), de plantas tóxicas, reduz a exposição a condições climatéricas extremas e a potenciais parasitas. Permite simultaneamente o fornecimento de uma dieta nutricionalmente equilibrada ao longo de todo o ano.
Em condições naturais, os bovinos utilizam troncos de árvores, postes, arbustos ou outras superfícies abrasivas para arranhar, esfregar o corpo e manter a pele e o pelo saudável e limpo. Contudo, quando o ambiente do estábulo é inócuo, ou seja, possui áreas reduzidas, sem equipamentos e substratos apropriados e sem estímulos, a capacidade dos animais para realizarem atividades e comportamentos naturais são limitados, podendo resultar em frustração. Esta por sua vez, está associada ao desenvolvimento de comportamentos anormais (estereótipos).
Uma estratégia que ajuda os animais a lidar com níveis de stresse elevados no seu meio envolvente, que evita a frustração e que aumenta a satisfação das necessidades comportamentais, prende-se necessariamente com medidas de enriquecimento ambiental. Considerando que a maioria das explorações leiteiras estão associadas a sistemas de produção intensivos em estabulação permanente, sem acesso ao pastoreio, revela-se mais importante do que nunca satisfazer as necessidades básicas fisiológicas e comportamentais dos vitelos, através da introdução de equipamentos, técnicas inovadoras e maneio positivo.
Tipologias de enriquecimento
A maioria da literatura define cinco tipos de enriquecimento ambiental: social, ocupacional, físico, sensorial e nutricional. Algumas destas categorias sobrepõem-se e encontram-se completamente interligadas, no entanto, cada uma destas áreas pode contribuir para o bem-estar global do animal de uma forma diferenciada. Por exemplo, o enriquecimento social pode suprir a necessidade de os vitelos contactarem com um ou mais coabitantes e ajudá-los a lidar melhor com o stresse do seu meio envolvente.
A contribuição de cada tipologia para o bem-estar do animal pode ser explicada por mais do que um mecanismo, como por exemplo, a melhoria do desenvolvimento cognitivo, que permite melhores capacidades de aprendizagem, mas também pela mera presença de outro vitelo que auxilia na integração social. Alguns métodos de enriquecimento estão limitados a uma determinada janela temporal, como por exemplo, o efeito da influência social precoce no desenvolvimento cognitivo.
Quadro 1. Diferentes tipologias de enriquecimento ambiental em vitelos (clique na imagem para ampliar)
Enriquecimento nutricional
O enriquecimento nutricional pode passar pelo fornecimento de diferentes tipos de alimentos, com aspetos sensoriais distintos, ou inclusive alterar o método de administração destes. Na maioria dos sistemas de produção, os vitelos são criados separadamente da mãe e o leite é normalmente fornecido através de um alimentador automático ou por balde com tetina. Os vitelos que não têm oportunidade de ingerir leite através de tetina, acredita-se que pode mais facilmente resultar no redirecionamento para amamentação nos coabitantes ou em objetos, desencadeando a indesejada sucção cruzada.
Embora a origem deste comportamento estereotipado seja influenciada por múltiplos fatores, como a oferta de leite e a idade de desmame, descobertas recentes mostram que a sucção cruzada pode refletir diferenças individuais ou ser o resultado da habituação do animal.
Ao efetuar o enriquecimento ambiental com a disponibilização de um alimentador de tetinas e rede suspensa com feno de alta qualidade, é possível reduzir ou até eliminar o comportamento de sucção cruzada.
Enriquecimento social
Entende-se como enriquecimento social a possibilidade de acesso ao contacto direto ou indireto, nomeadamente através dos sentidos visual, olfativo e auditivo com indivíduos da mesma espécie ou com humanos. Na maioria das explorações leiteiras, os vitelos são separados das progenitoras até às 24 horas após o nascimento, sendo o procedimento tecnicamente mais recomendado, pois este método é acompanhado por uma resposta comportamental mais adequada em comparação com a separação numa fase posterior.
A separação neste período permite igualmente uma monitorização rigorosa da saúde e do consumo de alimentos pelos vitelos, minimizando a transmissão de doenças e proporcionando um melhor desenvolvimento corporal. Vitelos criados em plena sociabilidade desde o nascimento estabelecem laços mais fortes com os membros do grupo, em comparação com vitelos criados com contacto limitado. Os laços sociais que os vitelos desenvolvem desde tenra idade, afetam significativamente as suas preferências sociais quando se tornam vacas adultas em fase de produção de leite.
Os vitelos que foram isolados sem companhia durante um período de 20 minutos vocalizaram mais, apresentaram menos atividade locomotora e exploraram menos o espaço do estábulo, em comparação com aqueles que se encontravam com pelo menos um companheiro. Os vitelos criados em grupo demonstraram maior flexibilidade na sua resposta às mudanças de lotes e às alterações no maneio diário, competência que foi anteriormente associada à melhoria do seu bem-estar. Ficou também demonstrado que estes animais são mais hábeis na interação com novas tecnologias, especificamente o equipamento de ordenha robotizada, assim como alimentadores automáticos.
Praticando maneio positivo desde tenra idade, os produtores podem ajudar os seus animais a reduzir as respostas ao stresse durante experiências aversivas, tal como acontece com a inseminação artificial. Constatou-se que as interações positivas com os tratadores estavam significativamente correlacionadas com as taxas de conceção das vacas, induzindo igualmente estados afetivos positivos e promovendo o bem-estar animal na exploração.
As interações positivas com vitelos leiteiros alojados em grupo durante os primeiros 15 dias de vida, estiveram associadas a menores distâncias de fuga no teste de abordagem voluntária depois de os animais atingirem o estado adulto. E alcançaram também maior ganho médio diário de peso (até 7% dependendo do leite à disposição), assim como tendência para concentrações inferiores de cortisol no plasma sanguíneo.
Enriquecimento físico e ocupacional
Para desenvolver o enriquecimento físico, é necessário alterar o tamanho ou a organização do recinto dos animais ou adicionar acessórios e objetos, assim como substratos ou estruturas permanentes. Proporcionar aos vitelos o acesso a espaços alternativos tem sido sugerido para aumentar as oportunidades de descoberta, bem como para refúgio. Estas práticas resultaram numa menor motivação dos vitelos dominantes para perseguir os submissos, prevenindo encontros agonísticos (cabeçadas, perseguição e fuga).
As escovas, tanto automáticas como fixas, foram descritas como um equipamento muito viável que proporciona benefícios sensoriais e ocupacionais, promovendo a expressão da maioria dos comportamentos naturais dos vitelos.
Após o nascimento, a vaca lambe instintivamente o vitelo, para limpeza de fluídos e secagem do mesmo. Caso tal não seja possível, o tratador deverá proceder à secagem do animal com o auxílio de uma toalha ou palha seca, até que o pelo fique totalmente eriçado para prevenir perdas de calor. Deve-se evitar a todo o custo que o animal entre em hipotermia (temperaturas inferiores a 38°C), por isso recorre-se bastante atualmente à colocação de coberjões nos vitelos para proteção do frio, sendo esta igualmente uma excelente técnica de enriquecimento ambiental (Figura 1). O uso de coberjão (casaco/manta) poderá ser uma forma de mitigar os efeitos do frio excessivo em vitelos recém-nascidos.
Figura 1. Viteleiro com animais protegidos por coberjão (clique na imagem para ampliar)
O enriquecimento ocupacional abrange tanto aquelas tarefas que estimulam o exercício físico, como a componente psicológica (enriquecimento cognitivo).
Nos vitelos, o comportamento lúdico foi estudado principalmente em condições de estabulação permanente (confinamento). A motivação para realizar atividades locomotoras (caminhar, correr, saltar pontapear) revelou um incremento proporcional à duração do confinamento, sugerindo que brincar é uma necessidade comportamental dos vitelos. A redução do comportamento lúdico em mamíferos jovens, foi proposta como um indicador fiável da transição de positivo para precário bem-estar animal.
A estabulação de vitelos em grupo foi associada a comportamentos lúdicos mais espontâneos e frequentes, em comparação com o alojamento dos vitelos individualmente. Foi relatado que alguns objetos de enriquecimento, como as cordas, provocam o desenvolvimento de competências orais e interações positivas nos vitelos, tais como lamber, mastigar e mordiscar.
A disposição de diferentes elementos para alimentação e equipamentos de enriquecimento ambiental em vitelos, deve ser uma realidade cada vez mais presente nas modernas explorações leiteiras (Figura 2).
Figura 2. Esquema de viteleiro com a localização dos objetos de enriquecimento ambiental (adaptado de Strappini et al., 2021) (clique na imagem para ampliar)
Conclusão
Os benefícios do enriquecimento ambiental em vitelos traduzem-se na melhoria, não só do seu estado físico, como também do mental, aumentando em muitos casos a sua performance produtiva. Devem ser ponderados os custos da implementação desta técnica em explorações com estabulação permanente. E pode igualmente desempenhar um papel importante na motivação dos produtores para a adoção de estratégias de melhoria do bem-estar animal na fase de recria. Todas as tipologias de enriquecimento ambiental se revelam benéficas para o harmonioso desenvolvimento dos vitelos, que serão sempre as futuras vacas leiteiras, com repercussões muito positivas na imagem da produção animal sustentável.