Descornar ou não descornar? Considerações sobre o bem-estar animal.

Na Europa, 81,5% das vacas leiteiras não tem cornos (ALCASDE, 2009). Frequentemente, muitos Produtores mencionam que o maneio dos animais sem cornos é mais fácil, evitando-se acidentes por lutas entre os animais ou, inclusivamente, acidentes com os trabalhadores da Exploração. Por outro lado, eliminar uma característica natural dos animais pode ser questionável do ponto de vista ético e uma descorna efetuada de forma incorreta pode causar dor ao animal, afetando o seu bem-estar e levando a quebras na produção.

 

Qual a função dos cornos?

Compreender a função dos cornos e de como os bovinos atuam socialmente é muito importante no desenho das instalações onde alojamos os animais e no estabelecimento de práticas de maneio racionais. Algumas das funções dos cornos em condições naturais são a defesa contra predadores, competição por recursos e proteção materna dos vitelos.

 

Mas devemos ou não fazer descorna nestes animais?

Decidir descornar ou não os animais deve sempre ter em consideração as vantagens e desvantagens da opção tomada, tendo em conta o bem-estar animal e as características da Exploração.
A implementação de descorna acarreta consequências imediatas de stress aos animais bem como custos diretos e indiretos (por perdas de produção). Por vezes, estes animais apresentam redução da ingestão de alimento, menos atividade e consequentemente menores ganhos médios diários quando comparados com animais que não foram descornados (Laden,1985). Contudo, estes efeitos negativos podem ser reduzidos ao utilizar uma técnica de descorna, que inclui anestesia local e analgesia (Stafford, 2005; 2011).
Se por um lado os cornos são uma característica natural dos animais que lhes permite a expressão completa dos comportamentos, a opção pela não descorna poderá conduzir a lesões em outros animais e durante o transporte, riscos acrescidos para os trabalhadores e danos nas instalações.
Um bom maneio é fundamental para que o número de lesões causadas pelos cornos seja menor. Se pretendemos não realizar a descorna dos animais temos que ter em atenção as suas necessidades fisiológicas ao desenharmos as instalações do estábulo, garantindo elevada disponibilidade de espaço, nomeadamente acesso a áreas exteriores.
Os animais com cornos necessitam de espaços maiores na manjedoura e nos bebedouros. Por exemplo, numa Exploração com animais não descornados, será necessário garantir um espaço de manjedoura entre os 75 a 100 cm/animal e o espaço de bebedouro compreendido entre os 10 e 20 cm/animal (COSTA, 2015).
Na produção intensiva, como é o caso da maioria das Explorações do Norte de Portugal, não é muitas vezes possível garantir estas condições, pelo que a descorna dos animais é algo que é recomendado, sendo considerada favorável à garantia do bem-estar animal, desde que realizada de forma adequada.

 

Os cornos potenciam a agressividade ou dominância no rebanho?

Os bovinos são animais sociais que vivem naturalmente em grupos. A presença de cornos pode afetar quantitativamente e qualitativamente as interações sociais entre estes.
Em animais estabulados, observa-se a competição pelo número de camas, espaço de manjedoura, bebedouros e disponibilidade de espaço individual. Esta interação será distinta consoante o tamanho do grupo e a composição do mesmo, sendo especialmente relevante aquando da inserção conjunta de animais com distinta experiência social no grupo, nomeadamente no reagrupamento das novilhas.
A chamada “distância de fuga” – aquela que o animal estabelece como segura, entre ele e os outros animais – influencia a perceção de disponibilidade de espaço numa vacaria e depende das relações sociais e relações de dominância entre os animais. Os animais com cornos têm uma “distância de fuga” maior do que os animais sem cornos e a raça também parece ter um efeito importante na definição da distância de fuga.

 

Descorna: que método devo escolher?

A descorna pode ser realizada em animais jovens (preferencialmente) ou adultos. Em animais jovens pode ser realizada de duas formas: química ou térmica.
A descorna química vulgarmente chamada de “pasta” ou “lápis” é, do ponto de vista prático, bastante apelativa. Contudo, este método tem efeitos para além da sua ação no momento e os animais apresentam dor durante maiores períodos de tempo. Assim sendo, este método normalmente não beneficia do uso de anestesia, visto que que a ação da pasta química é muito mais longa do que a do anestésico (Stilwell, 2008). Embora numa fase inicial a pasta química pareça uma boa opção, devido ao seu efeito negativo prolongado é desaconselhada.
A descorna térmica também conhecida por “ferro quente” com anestesia local e analgesia é o método recomendado. A descorna térmica é, quando comparada com outros métodos, a que apresenta menos efeitos negativos nos vitelos e por isso a melhor opção para a sua Exploração e para o bem-estar animal.
Os vitelos devem ser descornados antes dos 2 meses de idade, idealmente entre as 2 e as 6 semanas de idade, mal se sinta a formação do corno.
Durante a descorna é essencial um bom controlo da dor com a administração de anestesia local e de uma boa analgesia associada. Em estudos onde se avaliaram os níveis de cortisol sanguíneo (indicador de stress) constatou-se que a utilização da sedação, anestesia local e analgesia são fundamentais para o bem-estar dos vitelos durante e após o procedimento de descorna.
Utilizar apenas a anestesia local no ato da descorna não é efetivo para controlo da dor. A analgesia deve ser efetuada no dia da descorna e deverá ser mantida nas primeiras 48 horas para controlo da dor. Após a descorna aconselha-se a uma observação do comportamento do animal por forma a avaliar se o vitelo demonstra comportamentos típicos de dor como, por exemplo, raspar a cabeça nas paredes.

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Figura 1

 

A descorna quando realizada em adultos é considerada um ato cirúrgico. Este método gera sempre um elevado nível de stress, tendo um elevado risco de complicações pós-cirúrgicas, como a má cicatrização, risco de hemorragias ou infeções graves que podem mesmo conduzir à morte do animal. Relembramos que este método está desaconselhado, devendo o seu uso estar reservado a situações excecionais na Exploração e sendo obrigatoriamente realizado na presença de médico veterinário, sob adequada anestesia e analgesia.
Tendo em conta que estamos num processo de Certificação pelo Protocolo Welfare Quality®, todos os animais que sejam sujeitos a descorna em idade adulta têm obrigatoriamente de ser submetidos a anestesia e analgesia devidamente supervisionada e declarada pelo médico veterinário assistente da Exploração. No caso da descorna em animais jovens é melhor pontuada a Exploração quando recorre ao método térmico em detrimento do método químico. Além disso, será valorizado o uso de anestesia e analgesia.
Concluindo, uma descorna bem realizada pretende-se com ausência de dor, boa cicatrização e não crescimento dos cornos. Cabe ao Produtor a seleção do método mais adequado à sua Exploração, tendo em conta o bem-estar animal.

Texto: Serviço de Certificação e Sustentabilidade das Explorações AGROS