Comportamento social em bovinos

 

O ritmo diário de um bovino carateriza-se por fases alternadas entre alimentação, descanso e ruminação, em que algumas intervenções humanas podem também ser relevantes em termos de atividade comportamental.

Os bovinos revelam padrões de organização social, que definem as suas interações entre grupos e entre animais do mesmo efetivo, contribuindo para minimizar os efeitos negativos da competição. O conhecimento destes padrões de organização social é imprescindível para o maneio adequado dos animais, principalmente quando criados em sistemas de estabulação controlados, como no caso das vacas leiteiras.

Os animais não se dispersam ao acaso pelo estábulo, existindo uma grande relação com as estruturas físicas e ambientais, assim como com o comportamento social. Os bovinos normalmente apresentam um padrão de comportamento em que partilham os espaços com tolerância mútua entre si. Não são considerados animais essencialmente territoriais, não sendo comum a defesa de áreas específicas de alimentação, descanso, socialização ou de qualquer outra. A vaca requer espaço individual que é representado pela área onde o animal se encontra e compreende ainda o espaço físico que o animal necessita para realizar os movimentos básicos, o espaço social que carateriza a distância mínima que se estabelece entre um animal e os restantes membros do efetivo animal. Existe ainda a denominada zona de fuga, que é uma área de segurança individual da vaca, que define a distância de conforto perante uma ameaça de outra vaca ou de qualquer outro animal ou pessoa.

 

Hierarquias comportamentais

Os sinais visuais representam um dos meios mais importantes de comunicação em bovinos, uma vez que, por questões evolutivas, os mamíferos herbívoros possuem olhos grandes e ampla visão panorâmica, na ordem de 320°, uma adaptação que garante a sua sobrevivência, tendo em conta que numa perspetiva natural comportam-se como presas. A comunicação por intermédio de sinais visuais ou a linguagem corporal dos bovinos pode envolver movimentos de corpo inteiro ou apenas de determinadas regiões corporais. A mobilidade da cabeça dos bovinos, que permite vários posicionamentos em relação ao seu corpo, desempenha um papel muito importante, principalmente para demonstração de agressividade ou submissão.

Em confinamento as vacas demonstram a necessidade de estabelecer e desenvolver a capacidade de inter-relação com as restantes parceiras. A vaca procura o contacto com outros animais do efetivo em períodos de descanso, alimentação, deslocações, mas por sua vez necessita de manter ao seu redor um espaço vital mínimo que a delimita socialmente e sem o qual se sente ameaçada, traduzindo-se este efeito em maior agressividade, desconforto e menor produtividade.

Um fator extremamente importante na gestão de conflitos nas explorações de bovinos leiteiros é a separação dos vitelos por sexo e após o desmame por escalões etários previamente estabelecidos. Em vacas adultas é bastante comum constituírem-se grupos de animais por níveis diferenciados de produção de leite, o que facilita o maneio e a socialização entre os animais. Em bovinos, a reatividade pode ser influenciada facilmente pelo medo que o animal sente, ou seja, a reação que o animal esboça perante a perceção de um perigo iminente, que ameaça a sua integridade, uma vez que desempenha um papel importante na prevenção de situações potencialmente perigosas.

A dominância num efetivo é estabelecida por intermédio de interações agressivas entre vacas do mesmo grupo ao competirem por um determinado recurso, como por exemplo a prioridade no acesso ao cubículo, à manjedoura, ao bebedouro ou à ordenha. As vacas dominantes são, portanto, as que ocupam as posições mais altas na hierarquia, com prioridade sobre qualquer recurso dentro da exploração.

Curiosamente, num efetivo de vacas leiteiras com algumas exceções de liderança, poderá referir-se que os animais se comportam como uma unidade, na qual a maioria dos membros apresenta o mesmo comportamento simultaneamente. Existe sempre um animal (líder) que inicia o movimento ou as alternâncias de atividade, que normalmente é imitado pelos restantes animais do efetivo. Geralmente são as vacas mais velhas que lideram e isto faz sentido se considerarmos que a estrutura social dos bovinos é originalmente matrilinear.

 

Densidade animal

Nos sistemas intensivos de produção de bovinos leiteiros é muito importante cumprir os rácios de densidade animal, no entanto quando são ultrapassados os limites aceitáveis verificam-se efeitos adversos sobre a expressão do comportamento e do desempenho produtivo individual das vacas. Quando a densidade é muito elevada os animais não podem evitar a violação do seu espaço individual, o que normalmente resulta num aumento das interações agonísticas e stress social. Quando os efetivos são muito grandes os animais revelam dificuldades em reconhecer cada coabitante e em memorizar o estatuto social de todos, o que leva a um incremento da incidência de interações agressivas. Um bovino pode ser capaz de reconhecer e distinguir entre 50 a 70 indivíduos diferentes, possivelmente através das suas caraterísticas fenotípicas e comportamentais. Os bovinos utilizam os principais sentidos para comunicação e por conseguinte o seu comportamento dependerá em grande parte da sua capacidade de perceção, relacionada principalmente com as caraterísticas sensoriais mais importantes como a visão, audição, olfato e tato.

Como resultado, os animais mantidos em grupos numerosos com alta densidade, manifestam redução do desempenho individual e apresentam anomalias comportamentais (estereótipos). Elevada densidade dificulta a possibilidade de manifestação de uma grande variedade de comportamentos, sendo comum a manifestação de atitudes anómalas como apatia (diminuição do interesse por estímulos ambientais) e a diminuição da locomoção (menor frequência de alternâncias posturais, demoram mais tempo a deitar-se e levantar-se dos cubículos e por vezes manifestação de claudicação severa) favorecida usualmente por problemas de dimensionamento dos estábulos e dos tipos de pisos (quando são escorregadios). Outros comportamentos anormais indicadores de stress poderão observar-se através do aumento exagerado da frequência de micção, defecação, assim como diminuição do tempo de descanso, rejeição aos cubículos e prostrarem-se deitados nos corredores de circulação dos estábulos.

Por conveniência um efetivo de vacas leiteiras (lote) em contato permanente não deveria ultrapassar os 120 animais, até por facilitar o maneio geral das operações diárias do produtor. De qualquer forma, é importante que o efetivo seja estável na sua composição. Qualquer alteração, principalmente com a entrada de novos animais vai alterar a hierarquia social previamente estabelecida, com influência direta na produção e bem-estar dos animais. O tipo de maneio e o número de animais do efetivo afetam a frequência e natureza do comportamento social e a ordem hierárquica. Como os efetivos de vacas leiteiras são muito dinâmicos, principalmente pela elevada taxa de substituição de animais (baixa longevidade produtiva), em apenas um ano é possível observar alterações do estatuto social em 25 a 30% do efetivo, em que uma vaca passa muito rapidamente de subordinada a dominante.

Os fatores mais importantes na definição da posição social em vacas são a raça, a idade e o tamanho (estatura e peso), pelo que normalmente as primíparas são relegadas para as posições inferiores na hierarquia do efetivo. Os conflitos hierárquicos podem demonstrar maior frequência em efetivos mais heterogéneos, no entanto tendem a estabilizar na maioria dos casos com posturas de ameaça da parte das vacas dominantes e a subsequente submissão e fuga das subordinadas.

Deve-se manter especial atenção com as vacas no período de secagem (entre 45 a 60 dias pré-parto), pois se a restrição de movimentos for muito severa poderá levar ao desenvolvimento de comportamentos anormais (enrolar da língua, lamber grades, entre outros), que tendem a prolongar-se e afetar também o início da próxima lactação.

 

Conclusão

As vacas apresentam comportamento social típico com grande necessidade de interagir com as suas congéneres, formando grupos hierarquicamente bem definidos. Para comunicar as vacas recorrem aos diferentes sentidos, mas é através do cheiro e da visão que percecionam melhor o ambiente em seu redor porque naturalmente são presas, sendo na maioria das vezes motivadas pelo medo. Por isso são estimuladas instintivamente à organização socialmente em grupos.

Texto: Prof. Doutor Joaquim Lima Cerqueira,
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESA-IPVC)
Centro de Ciência Animal e Veterinária (CECAV), UTAD – Vila Real