Ciclos de Carbono Sustentáveis

Sabemos hoje que a emissão crescente de gases com efeito de estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) a partir do consumo de combustíveis fósseis, tem impactes negativos significativos. O setor agrícola é particularmente afetado, com destruição de culturas e quebra de produtividade face a eventos climáticos extremos (secas, tempestades, etc.) e estima-se a sua intensificação com as alterações climáticas (AC).

O aquecimento global pode ser ainda limitado a 1,5.º C, com menores impactes nos ecossistemas e na nossa saúde, se atingirmos emissões líquidas mundiais nulas de CO2 em 2050. A União Europeia está, por isso, empenhada em atingir a neutralidade em carbono até 2050, como assumido no Pacto Ecológico Europeu (COM(2019) 640) e na Lei Europeia do Clima (2021), mas também a adaptar-se às AC que acontecerão inevitavelmente, como aponta a Estratégia Europeia de Adaptação às Alterações Climáticas.

Estes instrumentos salientam o papel especial da agricultura na adaptação e mitigação das AC, de forma a não comprometer a segurança alimentar e apontam para se avançar para a agricultura de carbono. Nessa sequência, foi publicada a COM(2021)800 final, de 15/12 sobre “Ciclos de Carbono Sustentáveis”, aqui sintetizada para o cultivo de carbono em meio terrestre.

 

Ciclos de Carbono Sustentáveis

A Comissão Europeia (CE) visa estabelecer ciclos de carbono resilientes e sustentáveis, através de:

  • Reduzir a necessidade em carbono (p.e. melhorar a eficiência de edifícios, indústria e modos de transporte; reduzir o consumo de matéria-prima, promover a economia circular e energia renovável).
  • Substituir carbono fóssil nos setores ainda dependentes por carbono reciclado a partir de: fluxos de resíduos, fontes sustentáveis de biomassa ou atmosfera. A economia circular e a bioeconomia sustentável podem promover tecnologias para uso e captura de carbono e produção de combustíveis sintéticos sustentáveis ou outros produtos de carbono não fóssil.
  • Melhorar soluções de remoção de carbono da atmosfera e armazenamento a longo prazo, quer no ecossistema, através da proteção da natureza e soluções de agricultura de carbono (carbon farming) ou noutras formas de armazenamento através de soluções industriais, sem impacte negativo na biodiversidade ou deterioração de ecossistemas.

A COM(2021) 800 foca-se nas ações de curto prazo que podem promover a agricultura de carbono como um modelo de negócio, incentivando práticas em ecossistemas naturais que aumentam o seu sequestro e uma nova cadeia de valor industrial para a sua captura, reciclagem, transporte e armazenamento sustentável. Estabelece ainda que, durante 2022, irá desenvolver um quadro regulamentar para a certificação de remoções de carbono, a partir de ecossistemas naturais e soluções industriais, de forma a assegurar integridade ambiental.

 

A Agricultura de Carbono

Os créditos da agricultura de carbono podem complementar os esforços para a neutralidade, quando a redução adicional das emissões de GEE não é possível a nível socio-económico. O COPA-COGECA considera, aliás, o desenvolvimento de um mercado para créditos de C agrícola/florestal, como uma solução viável de longo prazo.

No panorama atual já existem diversas iniciativas de cultivo privado de carbono, onde os produtores agrícolas e florestais vendem créditos de carbono em mercados voluntários de carbono. Esses créditos podem ser um “produto” adicional a vender pelos produtores, em conjunto com os produtos tradicionais (p.e. alimentos e biomassa), ao mesmo tempo que beneficiam de solos mais férteis.

  • Nos Estados Unidos, a cooperativa agrícola norte-americana Land O’Lakes lançou um programa de créditos de carbono agrícola, o TruCarbon.
  • Em Espanha, as Cooperativas Lácteas Unidas (CLUN) iniciaram uma ação de compensação de emissões.
  • Em Portugal, a Terra Prima inclui, entre os seus serviços, o cálculo da pegada de carbono e de medidas de redução de pegada de carbono e compensação de emissões no setor agrícola.

Várias empresas alimentares e de biomassas já estabeleceram metas para a neutralidade climática das suas cadeias de valor. Os compradores dos créditos de carbono podem ser essas ou outras empresas ou até pessoas que visam reduzir a sua pegada carbónica.

O financiamento público (europeu e nacional) pode aliviar os custos financeiros e riscos associados à agricultura de carbono, em complemento com os rendimentos da venda de créditos de carbono.

Ações-chave para apoiar a agricultura de carbono:

  • Estabelecer um grupo de peritos em agricultura de carbono para partilha de experiência, de forma a estabelecer melhores práticas de agricultura de carbono e metodologias de MRV;
  • Definir financiamento dedicado à agricultura de carbono nas políticas da UE e ferramentas respetivas (como a Política Agrícola Comum, LIFE, Fundos de Coesão, Horizonte Europa);
  • Fornecer um modelo de navegador de carbono digital e diretrizes sobre caminhos comuns para o cálculo quantitativo de emissões e remoções de GEE para produtores agrários;
  • Avaliar a possível aplicação do princípio do poluidor-pagador às emissões da agricultura;
  • Criar um grupo de agricultura de carbono dentro da plataforma social do Pacto Climático para incentivar gestores de terras a tornarem-se embaixadores do Pacto Climático;
  • Criar laboratórios vivos para práticas agrícolas de carbono no âmbito da missão “A Soil Deal for Europe”.

Fonte: COM(2021) 800 final

Ao nível da implementação da agricultura de carbono, esta COM incide sobre as principais barreiras:

  • Custos associados às práticas agrícolas de carbono e incerteza sobre possibilidades de receita;
  • Incerteza ou falta de confiança pública nos critérios dos mercados voluntários de carbono;
  • Indisponibilidade, complexidade ou custos de sistemas robustos de monitorização, reporte e verificação (MRV);
  • Serviços de formação e aconselhamento insuficientemente adaptados.

Entre os desafios enunciados pela COM, destaque para o de permitir que qualquer gestor de terra tenha acesso a dados de verificação de emissões e remoções até 2028.

 

Conclusões

A UE assume esta como a década decisiva na luta contra as crises do clima e da biodiversidade. O solo e a bioeconomia são cruciais para alcançar ciclos de carbono sustentáveis. A COM aqui sintetizada propõe ações para melhor recompensar os produtores pela redução de emissões e aumento das remoções com base num modelo de negócios credível. A agricultura de carbono pode ser um novo modelo de negócio a implementar, com receita adicional para produtores. Para o seu sucesso, será necessário reforçar a capacitação sobre práticas inovadoras, em forte articulação com o terreno, onde as organizações agrícolas são essenciais.

Guia técnico

O Guia Técnico “Estabelecendo e implementando mecanismos de cultivo de carbono na UE” analisa várias iniciativas existentes de cultivo de carbono, nomeadamente ao nível da agrofloresta, da melhoria do teor de carbono orgânico do solo e da auditoria de carbono em explorações pecuárias. Sobre estas auditorias, refere existir “ suficiente conhecimento e capacidade técnica para desenvolver mecanismos de cultivo de carbono que incentivem redução de emissões em explorações pecuárias europeias, através de ferramentas de auditoria de carbono para toda a exploração. Porém, face à importância do contexto local, os mecanismos devem adaptar-se às circunstâncias locais e ser assegurado o envolvimento de stakeholders para o desenvolvimento e implementação de mecanismos.” O guia identifica ainda a importância da formação e aconselhamento agrícola, bem como a promoção de networking, a incentivar para apoiar a implementação destas iniciativas.

Este guia pode ser consultado em https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/10acfd66-a740-11eb-9585-01aa75ed71a1/language-en

TEXTO: Cátia Rosas, CONFAGRI