Características Reprodutivas na Avaliação Genética Nacional dos Bovinos da Raça Holstein-Frísia

 

A importância económica da produção de leite e das outras características produtivas (kg e % de gordura e proteína), tem definido os principais objetivos de seleção da maioria dos programas de melhoramento de bovinos leiteiros. A eficiência destes programas foi provada na prática (Gráfico 1) com um crescimento da produtividade dos animais em mais de 100% nos últimos 50 anos (dos 4-5.000 kg de leite por vaca/ano dos anos ’60 para os atuais 9-10.000 kg por vaca/ano).

Gráfico 1. Evolução da produção real de Leite nos últimos 15 anos, por ordem de lactação (1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª+ Lactações).
Médias por vaca/ano de produção do rebanho Nacional em contraste.

 

Por todo o mundo houve progressos enormes na produção e produtividade das vacas mas, como é sabido, a eficiência reprodutiva tem sofrido reveses importantes (e sem reprodução não há produção). Por exemplo, o número de dias entre partos consecutivos e o número de dias necessários para a vaca ficar de novo gestante, foram aumentando de ano para ano, acompanhando o progresso na produção mas no sentido inverso, isto é, mais dias para ficar prenha, menos partos durante a vida produtiva da vaca. Se levarmos esta tendência ao limite, poderemos ter uma vaca com alta produtividade por parto mas com uma baixa produção total durante a sua vida produtiva. Em termos de Melhoramento Animal, dizemos que estas características (produção de um lado e fertilidade do outro) têm uma Correlação Negativa pois, enquanto a seleção faz aumentar a produção e produtividade, a eficiência reprodutiva (características relacionadas com a fertilidade) diminui, o que a longo prazo, pode pôr em causa o objetivo da exploração.

O rebanho Nacional não é exceção a este fenómeno. Apesar da produção de leite ser o principal produto da pecuária leiteira, as perdas económicas advindas de questões relacionadas com a fertilidade, como o aumento de distúrbios reprodutivos, aumento do refugo involuntário de vacas, aumento na taxa de reposição, aumento dos custos com a inseminação e outras tecnologias reprodutivas, fez com que os programas de melhoramento genético voltassem a sua atenção para as características reprodutivas. A produtividade média por vaca tem vindo a aumentar sistematicamente desde que há registos na ANABLE (Associação Nacional de Criadores de Bovinos Leiteiros). Este progresso é sem dúvida resultado da seleção dos reprodutores para as características produtivas nestas últimas décadas. No entanto, nunca se proporcionou (até recentemente), avaliarmos as consequências (mesmo que indiretas) desta seleção em outras características nomeadamente, as reprodutivas.

O programa de melhoramento de bovinos leiteiros de Portugal inclui neste momento a avaliação de características produtivas (leite, proteína e gordura), funcionais (contagem de células somáticas) e de conformação, as principais das quais fazem parte do M€T que corresponde ao nosso Índice de Mérito Total. Neste momento podemos dizer que já é possível ter acesso a dados de reprodução quer em quantidade, quer em qualidade para podermos proceder à sua análise com um nível suficiente de confiança.

O Gráfico 2 mostra, para vacas no 2.º parto, que a média da produção de leite Nacional tem aumentado a uma taxa de 131 kg por vaca/ano e no entanto, a Taxa de Prenhez dessas mesmas vacas tem baixado em média 0,08% ao ano. Estes valores refletem a ausência de características reprodutivas no M€T e urge portanto colmatar essa lacuna de modo a mitigar uma ainda maior deterioração da fertilidade do rebanho Nacional. Este é o resultado da seleção negativa, mesmo que feita de forma indireta, nas características reprodutivas e são um exemplo da Correlação Negativa que existe entre estas duas características.

Gráfico 2. Evolução da produção real de Leite na 2.ª Lactação (L2 – kg) versus evolução da Taxa de Prenhez (DPR – %) em vacas de 2.º parto.
Médias por vaca/ano de parto do rebanho Nacional em contraste.

 

Neste sentido, estudos que permitam representar o progresso genético reprodutivo dos rebanhos leiteiros são de grande importância para a avaliação dos resultados proporcionados pela seleção direta e/ou indireta, além de fornecer informações para auxiliar o desenvolvimento de estratégias a serem implementadas nos programas de melhoramento genético. É por este motivo que nos últimos 20 anos se tem observado um aumento considerável do número de trabalhos avaliando diferentes metodologias e características reprodutivas para serem incluídos nos processos de avaliações genéticas com o objetivo das incluir em Índices de Seleção.

O objetivo deste trabalho foi, portanto, apresentar os resultados da primeira avaliação genética para algumas características reprodutivas da população de bovinos da raça Holstein de Portugal e mostrar os efeitos da seleção indireta nestas características através da visualização gráfica das respetivas tendências genéticas.

Os dados utilizados neste estudo foram obtidos através do BOVINFOR contendo, para além da informação geral sobre os animais e explorações, dados reprodutivos (datas de partos e de inseminações) das vacas da raça Holstein, coletados entre os anos de 1995 e 2018. As características reprodutivas avaliadas foram: intervalo entre partos (IP), definido como o número de dias entre dois partos consecutivos; intervalo entre parto e primeira inseminação (IPIA), expresso como o número de dias entre o parto e a 1.ª inseminação após o período voluntário de espera pós-parto (42 dias); dias em aberto (DO), definido como o número de dias entre o parto e a inseminação fecundante; taxa de prenhez (DPR), correspondente a percentagem do número de ciclos éstricos (de 21 em 21 dias) após o período voluntário de espera que foram necessários para a vaca ficar gestante (DPR=21/((DO-42)+21)×100). Para a análise do DO, só foram considerados dados confirmados pelo parto seguinte, isto é, a data da inseminação fecundante mais o período de gestação (280±15 dias) teve que corresponder à data do parto seguinte. De modo a manter a consistência com a avaliação das características produtivas, só foram utilizados dados referentes aos 3 primeiros partos.

A Tabela 1 dá uma indicação dos dados disponíveis. Os valores extremos foram eliminados e a normalidade dos dados foi verificada para todas as características. Os limites mínimos e máximos foram definidos sempre que possível de acordo com critérios biológicos e de maneio adaptado às nossas condições.

Tabela 1. Número observações e descrição estatística sumária das características avaliadas.
IP = Intervalo entre Partos; IPIA = Intervalo Parto 1ª Inseminação; DO = Intervalo Parto Inseminação Fecundante; DPR = Taxa de Prenhez.
Antes da avaliação, a DPR sofre uma transformação linear e muda de escala para poder ser analisada (o conceito é semelhante ao que acontece na transformação das CCS em SCS).

 

Os modelos de avaliação usados para avaliar geneticamente os animais são semelhantes aos usados internacionalmente (no nosso caso, modelo animal autorregressivo de repetibilidade) sendo portanto, compatíveis para publicação. Como em todas características reprodutivas, a variabilidade genética estimada foi relativamente baixa, com uma heritabilidade variando entre 0,05 e 0,09. Estes valores são muito semelhantes aos reportados na literatura mundial e indicam que os fatores ambientais são muito importantes na expressão destas características. Por exemplo, o Gráfico 3 mostra como o IP varia de acordo com a Estação do ano em que se verificou o parto.

Gráfico 3. Influência do Ano-Estação do parto no Intervalo entre Partos.
Médias ajustadas ao modelo da avaliação do rebanho Nacional.

 

A ocorrência de partos no Outono (Estação 3) parece estar associada a IPs mais longos quando comparada com outras Estações no mesmo ano. É interessante notar que também é no Outono que se observam os picos sazonais da produção de leite. Esta sazonalidade está com certeza associada a uma maior disponibilidade nutricional e a melhores condições ambientais para a produção de leite nesta época. A relação entre as 4 características é evidenciada nos gráficos do progresso genético (Gráfico 4).

Gráfico 4. Tendências genéticas de touros e vacas por ano de nascimento para as características.

 

Enquanto no IP, IPIA e DO quanto mais dias, menor a eficiência reprodutiva, o inverso verifica-se no DPR onde, quanto maior a percentagem de prenhez, maior a eficiência reprodutiva o que explica a curva desta ser praticamente inversa à do DO (para cada 1% de DPR corresponde a uma diminuição de 4 dias no DO). De uma forma geral, todas estas características têm uma evolução genética semelhante (o formato da curva é praticamente coincidente) o que justifica o uso quase exclusivo do DPR como característica de eleição para inclusão nos Índices de Seleção. A Taxa de Prenhez (Gráfico 4: DPR) é conceptualmente uma característica fácil de compreender e apresenta-se numa escala em que maior significa melhor. As tendências genéticas para as características reprodutivas têm vindo a melhorar nos últimos anos. A DPR por exemplo, apresenta um progresso positivo nos machos de 0,4% por ano (desde 2000) e nas fêmeas de 0,3% por ano (desde 2008).

A correlação negativa destas características com a produção de leite tem também origem genética. Se observarmos o progresso genético do DPR, por exemplo, em relação com o progresso genético do leite (Gráfico 5), verificamos que a progressão é inversa, isto é, o ponto de inversão das curvas coincide (a partir do ano 2000 para os Touros e 2008 para as Vacas) e após os quais, o leite tende a descer enquanto, pelo contrário, o DPR passa a ter uma resposta positiva. Esta resposta deve ser considerada como uma resposta indireta pois em Portugal o DPR nunca foi incluído como critério de seleção.

Gráfico 5. Comparação das tendências entre os progressos genéticos do Leite e do DPR ao longo do tempo.

 

Com este trabalho pretende-se entregar mais uma ferramenta para apoiar a seleção dos bovinos da raça Holstein. A disponibilização destes valores genéticos no sistema do BOVINFOR vai permitir aos criadores e seus assessores terem uma noção mais concreta dos seus patrimónios genéticos e poderem assim tomar decisões de seleção mais coerentes com os objetivos das suas explorações. Outra prioridade da equipa de investigação será estudar a inclusão da DPR no M€T de modo a minimizar as consequências negativas que uma seleção exclusivamente centrada na produção pode trazer à eficiência reprodutiva do rebanho Nacional.

Texto: Zootecnista Hugo Teixeira Silva,
Prof. Doutor Júlio Carvalheira, CIBIO-InBio – Universidade do Porto