Avaliação Genética de Gado Leiteiro Holstein em Portugal

 

A avaliação genética de touros e vacas da raça Holstein em Portugal é publicada duas vezes por ano (fevereiro e outubro) e colocada à disposição de todos interessados através de publicações, quer em papel, quer na Internet (na página da Associação Nacional para o Melhoramento dos Bovinos Leiteiros – ANABLE). Esta informação é livre e é de importância vital para quem pretenda fazer o melhoramento genético de bovinos leiteiros em Portugal.

A avaliação só é possível com recurso aos registos de produção e classificação disponibilizados pelo BOVINFOR. Não é demais insistir na importância dos serviços de contrastes e classificação pois sem estes, não só não é possível gerir as explorações com eficiência, como também não seria possível fazer as avaliações genéticas dos reprodutores e consequente aplicação dos programas de selecção dos melhores reprodutores.

As avaliações genéticas dos bovinos Holstein são realizadas pelos grupos de investigação do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) e do Centro de Ciência Animal e Veterinária (CECAV) sediados respetivamente nas Universidades do Porto-Vairão e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Presentemente, todos os touros com filhas e vacas com registos oficiais são avaliados para 6 características de produção (leite, teor e produção de gordura, teor e produção de proteína e contagem de células somáticas) e todas as características lineares e respetivos índices. Os touros avaliados no estrangeiro têm a sua avaliação na escala portuguesa providenciada pela INTERBULL usando a metodologia MACE.

 

Sistemas de Avaliação

Atualmente, a avaliação está baseada em dois sistemas, dependendo do grupo de características em estudo: (1) produção e (2) conformação. Apresentamos em seguida uma breve descrição do sistema de avaliação das características de produção, incluindo o tipo de dados, métodos de avaliação e a forma como os resultados são expressos.

 

Produção

Os valores genéticos das características produtivas, leite, gordura, proteína (kg) e respetivos teores (%), incluindo o número de células somáticas (após a transformação em “scores”) dos touros e vacas do rebanho nacional em regime de contraste, são estimados usando o Modelo Genético de Contrastes Auto-regressivo. É um modelo de repetibilidade e usa metodologia BLUP de modo a simultaneamente incluir dados das produções diárias (registo mensal de cada vaca em produção) das primeiras 3 lactações.

 

Edição dos Dados

Antes da avaliação propriamente dita, os dados são filtrados e validados de acordo com critérios aceites internacionalmente. Assim, são eliminadas todas as observações com menos de 5 ou mais de 310 dias-em-lactação, sem exploração ou n.º de SIA válido (ou sem outros campos considerados relevantes para a análise, e.g., registo de contraste ou da data correspondente, dias-em-lactação, data de nascimento, etc.), ou ainda de animais com idades ao parto inferiores a 18, 28 ou 38 meses e superiores a 45, 58 ou 78 meses respetivamente na 1.ª, 2.ª ou 3.ª lactação.

Animais com registos em mais de uma exploração, conservam apenas as observações correspondentes à sala onde possuem mais informação. A normalidade da distribuição dos dados é verificada para cada classe de lactação, idade e dias-em-lactação e os valores extremos são eliminados (± 3 desvios padrão). São ainda eliminados animais cuja sequência das datas de contraste não coincida com o n.º de dias-em-lactação. Por último, as observações correspondentes a animais com apenas um registo por lactação são também eliminadas.

Atualmente são validados e processados em cada avaliação cerca de 12 milhões de contrastes de vacas pertencentes a explorações A4 e AT4, e que totalizam aproximadamente 880 mil fêmeas e 33 mil touros em mais de 4.200 explorações. Apenas animais de raça pura Holstein-Frísia (definido pela Associação Portuguesa dos Criadores da Raça Frísia – APCRF) são elegíveis para a avaliação.

Avaliação

O modelo animal de contrastes auto-regressivo permite predizer os valores genéticos dos animais pelo método BLUP usando todos os contrastes disponíveis nas primeiras 3 lactações, maximizando assim o rigor dessa predição. O modelo pode ser descrito da seguinte forma:

Os parâmetros genéticos (heritabilidades) estimados encontram-se na Tabela 1. Os valores genéticos correspondentes às características de produção são expressos na escala original (kg para as produções e % para os teores) na base da lactação estandardizada de 305 dias. O número de células somáticas são mantidas na escala transformada (SCS) e, tal como nos teores, corresponde aos valores médios para uma lactação estandardizada de 305 dias.

Tabela 1. Parâmetros Genéticos para a Avaliação das Características de Produção

 

A média dos valores genéticos (VG) dos animais é por definição, zero, isto é, reprodutores com VG positivo estão acima da média e os negativos abaixo da média. À medida que o número de gerações vai aumentando, a distância genética entre os animais atuais e a “população base” também vai aumentando, o que pode dificultar a interpretação dos VG na altura de selecionar os melhores reprodutores. Para evitar grandes diferenças entre VG e também manter a escala dos VG dentro de limites razoáveis, decidiu-se, à semelhança de outros países, criar uma base genética móvel que se vai alterando de 5 em 5 anos. Ao mudar-se a base genética (que no nosso caso corresponde à média dos VG das fêmeas nascidas no ano base), todos os valores genéticos passam a ser expressos como desvios dessa média. Na prática, este procedimento põe o valor “zero” no novo ano base e permite uma melhor comparação entre os reprodutores atuais. No início de 2015 mudou-se a base genética para 2010 e manter-se-á assim até 2020.

Interpretação das Avaliações Genéticas

O principal objetivo das avaliações genéticas é permitir a seleção de touros e vacas geneticamente superiores para que sejam os pais da geração seguinte. A identificação destes animais geneticamente superiores, é a chave para um programa de melhoramento que vise um aumento da eficiência das explorações, com reflexos diretos no aumento da produtividade e benefício económico.

Para as características produtivas, as avaliações dos animais expressam o potencial genético para cada característica, da qual metade é transmitida à sua descendência. Para a produção de leite, gordura, proteína e respetivos teores, quanto maior for o VG, melhor a performance esperada. De facto, os VG não se referem diretamente ao potencial genético para a produção de uma determinada característica, referem sim à diferença do potencial genético entre dois touros, isto é, representam a diferença genética esperada na produção média das suas filhas.

A contagem de células somáticas (expressa em pontos numa escala logarítmica – SCS) é uma característica cuja importância tem vindo a aumentar significativamente nos programas de melhoramento de bovinos leiteiros. Reflete a capacidade do animal de resistir a mastites e, portanto, ter uma melhor saúde do úbere, produzir mais leite (menos perdas) e ter um maior tempo de permanência no rebanho (maior longevidade). Como o objetivo dos produtores é reduzir a contagem de células somáticas, os melhores touros e vacas serão aqueles que tiverem um menor VG para as SCS, ao contrário das características de produção.

O progresso genético para as características de produção da população Holstein Portuguesa (Figura 1) tem sido sistematicamente positivo nos últimos 40 anos (e.g., 74 kg e 90 kg de leite por ano em machos e fêmeas, respetivamente). A genética Portuguesa depende grandemente de importações de sémen congelado de países como os EUA, CAN, FRA, HOL, etc., e a crise económica dos anos 2008 em diante também afetou o desenvolvimento da nossa pecuária. A redução do crescimento nos machos a partir do ano 2000 é provavelmente prova desta crise (os touros nascidos em 2000 têm, em média, as suas provas 8 anos depois) e justifica também a correspondente redução do progresso nas fêmeas a partir de 2008 aproximadamente (filhas desses touros).

Recentemente, começaram a surgir sinais de recuperação das taxas do progresso genético, mas é preciso mais tempo para confirmar essa tendência.

Texto: Prof. Doutor Júlio Carvalheira, CIBIO-InBIO – Universidade do Porto