A ordenha robotizada, a alimentação e o maneio das vacas leiteiras
A partir de meados do séc. XIX, com a revolução industrial, as populações rurais iniciaram uma migração para as grandes cidades, para satisfazerem as necessidades crescentes de mão-de-obra. Esses empregos, gerados com a industrialização, permitiram um aumento do poder de compra das famílias nas quais, muitas vezes, também a mulher trabalhava. A melhoria do poder de compra suportou o aumento do consumo das famílias, e a procura de leite e produtos lácteos aumentou (Kurlansky, 2018). Desde esses tempos que a produção leiteira mundial tem vindo a transformar-se, adotando inovações técnicas e tecnológicas com o objetivo de aumentar a rentabilidade. Atualmente, os Produtores de leite querem dispor de maior flexibilidade na atividade da ordenha, pois representa 25 a 35% das necessidades de mão-de-obra da exploração (de Koning, 2010), maior eficiência do trabalho e menor necessidade de trabalhadores contratados (Salfer, et al., 2017). Por essa razão, as principais empresas de produção de equipamentos de ordenha avançaram para a automatização dessa atividade.
FIGURA 1. Ordenha robotizada
A ordenha robotizada pode representar, para além dos benefícios para a família, uma melhoria do bem-estar das vacas.
Desde a instalação do primeiro robô de ordenha, em 1992 na Holanda (de Koning, 2010; Hogeveen & Steenveld, 2013), a adesão dos Produtores de leite a esta tecnologia tem sido crescente. Em 2017 estimava-se que existiriam 35000 unidades instaladas nas explorações leiteiras, em todo o mundo (Salfer, et al., 2017). Na generalidade, os estudos existentes tendem a indicar que a utilização da ordenha robotizada diminui o desempenho económico das explorações (Hogeveen & Steenveld, 2013; Salfer, et al., 2017). Contudo, a maior parte das explorações que adotam esta tecnologia utilizam mão-de-obra familiar e valorizam mais a qualidade de vida da família, ou a libertação para fazer outros trabalhos, como melhorar o maneio da exploração ou envolverem-se em atividades das suas organizações ou da comunidade em que se inserem (Salfer, et al., 2017). Além disso, esta tecnologia tem o potencial de melhorar a saúde e o bem-estar das vacas e aumentar a sua produtividade (de Koning, 2010). Com a preocupação crescente do consumidor acerca da saúde e bem-estar destes animais, a automatização da ordenha pode ajudar a promover uma mensagem mais correta e positiva acerca do interesse em tratarmos bem as nossas vacas.
Os fatores mais importantes na melhoria da rentabilidade da ordenha robotizada, quando comparada com a ordenha tradicional, são a diminuição dos custos do trabalho necessário à ordenha e o aumento da produtividade das vacas (Salfer, et al., 2017). Por isso, é importante compreender a forma como as vacas interagem com o robô. Aspetos como a frequência com que a vaca visita o robô, incluído o número de ordenhas diárias realizadas, falhadas e recusadas, o número de vacas que têm de ser “tocadas” para o robô e as definições de permissão de ordenha são aspetos críticos a ter em consideração (Siewert, et al., 2019). O objetivo é conseguir que cada vaca seja ordenhada frequentemente e com intervalos de ordenha uniformes.
A alimentação das vacas em ordenha robotizada
Numa exploração com ordenha convencional as vacas seguem uma rotina diária comunitária e consistente. A ordenha é uma atividade realizada sempre às mesmas horas, e na qual todas participam ao mesmo tempo, estando a ingestão de alimento bastante relacionada com esses momentos (Wagner-Storch & Palmer, 2003). Frequentemente também têm uma dieta completa à disposição na manjedoura para que, sempre que forem comer, ingiram todos os nutrientes necessários e nas proporções corretas. Já nas explorações com ordenha robotizada as vacas definem os momentos em que pretendem ser ordenhadas, ajustando o seu comportamento alimentar de acordo com essas escolhas (Wagner-Storch & Palmer, 2003). Além disso, a dieta que possuem na manjedoura não é completa, sendo uma parte dos nutrientes oferecida no robô. Permitir que as vacas possam escolher se consomem ambos os alimentos, a dieta parcialmente misturada (PMR) da manjedoura e o granulado oferecido no robô, e nas proporções adequadas, coloca desafios ao criador e ao seu nutricionista.
O fornecimento do granulado é a motivação para as vacas se deslocarem ao robô, uma vez que são mais atraídas pelo alimento do que pela ordenha (Prescott, et al., 1998). Por isso, este deverá incorporar matérias-primas que sejam apetentes e ter uma boa granulação, já que as migalhas e finos diminuem a ingestão (Bach & Cabrera, 2017). Também podem ser incorporados aromatizantes na sua formulação pois foi demonstrado que a sua utilização aumenta o número de visitas ao robô (Migliorati, et al., 2005). Não esquecer o equilíbrio nutricional já que os desequilíbrios ou excessos, principalmente nas vacas de pós-parto, provocam frequentemente distúrbios metabólicos que resultam na diminuição das visitas e da produtividade. Ter especial atenção ao excesso de amido, em particular amido facilmente fermentável, que pode provocar a acidose, originando uma maior incidência de laminites e manqueiras (Nocek, 1997). As manqueiras representam uma ameaça ao bem-estar das vacas e condicionam a sua mobilidade, diminuindo as visitas ao robô e dando mais trabalho a “tocá-las” para serem ordenhadas.
GRÁFICO 1. Número de visitas voluntárias ao robô.
LEGENDA: 1 – Sem manqueira 5 – Manqueira severa
Para que as vacas visitem o robô frequentemente, é necessário que se sintam bem. Por isso, é importante que as vacas transitem da fase seca para a fase produtiva mantendo a ingestão de matéria seca elevada, o que minimiza o balanço energético negativo e diminui a incidência de problemas metabólicos (LeBlanc, 2010). A utilização de forragens de qualidade, juntamente com a concentração de amido baixa no período de pré-parto e a manutenção da condição corporal adequada durante todo o período seco mantêm a ingestão nas semanas antes do parto, efeito que se mantém após o parto (Grummer, et al., 2000).
A composição da PMR das vacas em lactação deve estar equilibrada com a do granulado evitando excessos e promovendo uma fermentação ruminal saudável. As forragens utilizadas devem ser de boa qualidade, evitando a incorporação de restos de silagens estragadas ou que ficaram por carregar na frente de silo quando se fez a PMR anterior. As frentes de silo devem ser protegidas, em especial quando chove, para evitar oscilações do teor de matéria seca da PMR que prejudicam a ingestão e o equilíbrio da dieta (McBeth, et al., 2013). Além disso, a mistura deve ser empurrada várias vezes ao dia para junto das vacas, servindo de incentivo para elas se deslocarem à manjedoura e comerem um pouco mais.
O maneio e a eficiência da ordenha robotizada
Num lote de vacas, forma-se uma estrutura hierárquica que afeta o comportamento de cada vaca de acordo com o posicionamento dela nessa estrutura. Quando existe competição por um determinado recurso (alimento, água, cubículo, ordenha,..) as vacas com posições hierárquicas superiores são as primeiras a usufruírem dele, porque impõem o acesso ao mesmo (McDonald, et al., 2020). As vacas com posições hierárquicas inferiores, normalmente as novilhas ou vacas adultas mais tímidas ou doentes, ficam sempre para último. Por isso, quando colocamos demasiadas vacas num robô, as que ocupam a hierarquia mais baixa irão esperar mais tempo para serem ordenhadas, podendo mesmo desistir de o fazer, penalizando deste modo a sua produção. A limitação do número de vacas por robô e, quando possível, a disponibilização de mais do que um robô, melhoram o acesso dessas vacas e aumentam a produtividade do efetivo (Tremblay, et al., 2016).
Quando falamos em ordenha robotizada, a primeira ideia que surge é podermos condicionar o tráfego das vacas para que elas visitem o robô, aumentando deste modo o número de ordenhas por vaca. Apesar de atrativa, a obrigação das vacas fazerem um circuito entre o local de descanso e o local de alimentação, passando pelo robô, penaliza a produtividade. Talvez porque esta solução prejudica a ingestão de alimento pelas vacas ou afeta negativamente o comportamento das mais tímidas, fazendo com que atrasem o momento de saírem do cubículo para se deslocarem à manjedoura (Tremblay, et al., 2016). Por essa razão, as vacas devem ter liberdade para se deslocarem voluntariamente ao robô (tráfego livre).
Um bom maneio no pré-parto tem como resultado vacas mais saudáveis. Juntamente com a boa alimentação, as instalações que propiciem um ambiente, bem ventilado e com bastante luz natural é mais atrativo para estes animais. A existência de cubículos e de lugares suficientes à manjedoura para todas as vacas diminui a competição, aumenta o tempo de descanso e a ingestão de matéria seca (Proudfoot, et al., 2009). A falta de descanso é um fator de risco para a ocorrência de manqueiras (Greenough & Vermunt, 1991) e a diminuição da ingestão de matéria seca é um fator de risco para a ocorrência de doenças no pós-parto (Huzzey, et al., 2007). Por isso, convém que o lote do pré-parto tenha uma lotação inferior a 85% do número de cubículos e lugares de manjedoura.
Conclusão
Normalmente, o investimento numa ordenha robotizada não é decidido com base na rentabilidade económica da exploração. A libertação do criador para tarefas de análise e aperfeiçoamento do maneio e da gestão da exploração, e a melhoria da qualidade de vida da família, são as principais razões invocadas por quem decide fazer este investimento. Mas para que a rentabilidade económica da exploração não seja severamente prejudicada, é importante que se obtenham ganhos significativos na rentabilidade do trabalho e, principalmente, no aumento da produtividade das vacas. Esse aumento virá da possibilidade de cada vaca fazer mais ordenhas por dia, mas também por ser possível ajustar mais acentuadamente a alimentação de cada vaca às suas necessidades. A otimização do maneio das vacas em produção, e em especial das vacas de pré-parto, permite obter vacas mais saudáveis, que se deslocam mais vezes ao robô para serem ordenhadas, que consomem a quantidade indicada de granulado e mantêm um consumo elevado da PMR na manjedoura. Só assim, será possível maximizar o potencial da utilização destes equipamentos, minimizando o custo por litro de leite produzido.