A importância do sono em vacas leiteiras

 

A importância do conforto da vaca leiteira e a sua relação com o comportamento de descanso é amplamente aceite pela comunidade científica. Trabalhos recentes demonstram que uma grande parte do período de descanso da vaca é simultaneamente passado a dormir. Dois fatores que influenciam bastante o sono são a fase de lactação da vaca, assim como a hora do dia. Tem-se de alguma forma especulado que as vacas têm um padrão de sono diurno, o que significa que são predominantemente ativas durante o dia, mas não está claro se isso é devido a um efeito biológico ou às práticas de maneio realizadas na exploração. A falta de movimentos da mandibula em combinação com uma posição reclinada tem sido sugerida como indicador de sono em ruminantes. Uma análise superficial das caraterísticas padrão do sono revela que provavelmente existe uma relação entre os períodos de sono, a saúde da vaca, o bem-estar e a produtividade dos animais.

 

Diferentes fases e tipos de sono

As vacas bem adaptadas ao ambiente raramente dormem em pé e normalmente apresentam três tipos de posturas relativamente ao comportamento de sono:

  • Estado de alerta que ocupa a área cinzenta entre totalmente consciente e adormecida;
  • Cerca de um terço do dia equivale ao estado de sonolência;
  • A ruminação geralmente coincide com a sonolência.

 

Vulgarmente são descritos dois tipos de sono, o NREM e o REM, sendo que nas vacas a sonolência aparece na mesma proporção que o sono NREM e na mesma postura comportamental.

 

O primeiro é caraterizado como o sono de movimento ocular lento – “Non-rapide eye movement (NREM) sleep”, que pode ainda ser identificado como ondas sonolentas lentas:

  • O sono NREM ajuda na conservação de energia, uma vez que o cérebro se encontra menos ativo durante esse período sonolento;
  • A ruminação coincide frequentemente com o sono NREM.

 

O segundo define-se como o sono de movimento ocular rápido – “Rapid eye movement (REM) sleep”:

  • Embora não totalmente esclarecido, foi sugerido que as células que promovem a memória imune aumentam durante o período de repouso das vacas. A memória imune verifica-se quando a vaca é sujeita a um agente patogénico pela primeira vez, o organismo irá desencadear uma resposta imunológica mais rápida e mais forte quando ocorrer uma exposição adicional. Uma especulação para essa teoria resulta da poupança de energia pelo animal durante o período de repouso, que permite a sua disponibilidade e redireccionamento para a produção e ativação de células com capacidades imunológicas;
  • Embora não seja visto diretamente em vacas, em vários outros modelos, o sono REM ajuda a manter e estabelecer conexões cerebrais durante os estágios críticos do desenvolvimento. Especificamente, o sono REM permite que o cérebro transforme experiências em memórias, embora os mecanismos entre o desenvolvimento cerebral e este tipo de sono não sejam totalmente claros.
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Comportamento de sono e postura das vacas

A sonolência é evidente nas vacas quando adotam uma postura de repouso tranquila, com as pálpebras relaxadas, mas muitas vezes pode ser confundida com o sono NREM. Durante este tipo de sono as vacas deitam-se mas permanecem com as cabeças levantadas, dificultando a diferenciação com as vacas em outros estados de sono.

Por outro lado, o sono REM é identificado pelo tónus muscular reduzido, especificamente na região do pescoço em vacas leiteiras. As vacas também podem demonstrar movimentos rápidos dos globos oculares e espasmos musculares. As vacas podem revelar o sono NREM em pé, mas o sono REM só pode ser alcançado quando se encontram em decúbito. A postura deitada e o seu comportamento são muito esclarecedores acerca do tipo de sono em vitelos, no entanto em vacas a postura deitada é um mau indicador dos estados do sono, visto que a sonolência e o sono NREM não podem ser distinguidos apenas por indicadores comportamentais.

As vacas alojadas individualmente em cubículos dormem aproximadamente quatro horas por dia e ficam num estado de sonolência durante cerca de oito horas.

As vacas dormem mais à noite, quando o ambiente do estábulo se torna mais tranquilo, mas o sono pode ocorrer durante todo o dia. Nestes casos os períodos de sonolência podem ser interrompidos por atividades de maneio rotineiras na exploração leiteira, como sejam a distribuição de alimento na manjedoura, a ordenha, entre outras operações de maneio passíveis de perturbar o descanso dos animais.

 

Fatores que influenciam o sono

As vacas na fase inicial e no pico da lactação dormiram menos comparativamente às vacas secas quando monitorizadas num período de 24 horas. As vacas no pico da lactação demonstraram sono REM mais prolongado, o que pode expressar a grande importância deste tipo de sono no nível produtivo dos animais.

As vacas durante o período seco revelaram frequências mais elevadas de sono NREM, uma vez que a sua dieta é mais volumosa, passando períodos mais longos de tempo a ruminar e proporcionando menores períodos de sono REM.

A privação do sono aumenta o risco de problemas cardiovasculares e de capacidade do controlo homeotérmico. Poderá ainda interferir na aptidão autoimune das vacas, comprometendo o seu estado de saúde e a produção de leite.

 

Considerações finais

A sonolência em vacas é descrita como um estado intermédio entre o despertar e o sono, mas esta função ainda não é claramente conhecida. Segundo alguns estudos mais recentes a sonolência em vacas leiteiras pode ser considerada como sono leve, durante o qual a vaca está dormitando enquanto rumina e realiza outras atividades menos exigentes fisicamente. Não é possível determinar e quantificar o sono REM em vacas leiteiras exclusivamente através de indicadores comportamentais. Embora o sono em vacas leiteiras seja uma temática invulgarmente abordada, é sabido que a sua privação poderá ter efeitos muito prejudiciais no bem-estar dos animais e consequentemente na rentabilidade das explorações. Assim é importante ter em conta o adequado maneio do efetivo em geral, as condições das instalações, nomeadamente a densidade animal, o número suficiente e o tipo de cubículos, assim como a qualidade das camas. Estas devem ser projetadas por forma a proporcionar espaços de descanso limpos e confortáveis que promovam períodos longos de sono às vacas.

Texto: Prof. Doutor Joaquim Lima Cerqueira
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESA-IPVC) e Centro de Ciência Animal e Veterinária (CECAV), UTAD – Vila Real