Longevidade em vacas leiteiras: Principais fatores

A longevidade é um indicador importante na produção animal, que expressa a duração da vida produtiva dos animais. Na maioria das vezes, dá-nos indicação de possíveis problemas de bem-estar animal, mas o declínio na eficiência reprodutiva em vacas leiteiras também pode estar na origem da sua eliminação das explorações.
A vida produtiva em vacas leiteiras pode ser definida como o período que decorre entre o primeiro parto e o seu abate. Normalmente, as vacas produzem leite durante 80% a 90% da sua vida, com o tempo restante gasto no período seco, fase extremamente importante na recuperação e preparação para o próximo parto. A expectativa de vida produtiva da maioria das vacas está compreendida entre 2,5 a 4 anos, na maioria dos países da União Europeia com maior representatividade na produção de leite. Normalmente, os animais fazem o primeiro parto por volta dos dois anos de idade, o que representa uma longevidade global desde o nascimento até à morte entre 4,5 a 6 anos.
A expectativa de duração da vida natural dos bovinos leiteiros é de aproximadamente vinte anos. No entanto, as melhorias no conforto da vaca, reprodução e seleção genética para aumento da produtividade nas últimas décadas não proporcionaram maior longevidade produtiva dos bovinos leiteiros. Esta normalmente vida curta levanta questões do foro ético e de bem-estar animal cada vez mais relevantes. Nesta linha de pensamento alguns países começam a demonstrar metas mais ambiciosas para a longevidade das vacas, tendo vindo a implementar medidas que visam incrementar a vida produtiva dos animais, nomeadamente a Holanda e Dinamarca são pioneiros nestes promissores objetivos. Prolongar a vida produtiva das vacas leiteiras pode ter efeitos ambientais benéficos. Por outro lado, na maioria das vezes, são questões económicas que estão na base do refugo dos animais, contudo, muitas das vezes a decisão de substituir as vacas pode não ser necessariamente a melhor opção do ponto de vista financeiro.
Aproximadamente 10% a 15% das vitelas nascidas vivas e com perspetiva de se tornarem vacas produtoras de leite acabam por não o conseguir por motivos de morbidade e mortalidade provocadas por fracas condições de saúde, de alimentação e técnicas de maneio desajustadas, bem como por fatores ambientais extremos.

 

Principais causas de refugo

As vacas capazes de maior longevidade são aquelas que ficam gestantes logo após a puberdade, entre os 14 a 18 meses de vida, que revelam menores problemas de mastite, de lesões e que apresentam melhor conformação funcional para a produção de leite, com bons aprumos e adequada inserção do úbere.
Os principais problemas associados ao refugo são as doenças que afetam os animais durante a sua fase produtiva, destacando-se a mastite, infeção da glândula mamária, que pode ser recuperável, mas que em vacas mais velhas acaba por ter estadios crónicos, em que deixa de ser possível a recuperação. Outra patologia que tem grande impacto na eliminação de vacas é a claudicação, responsável por graves problemas de saúde e bem-estar animal quando afeta os animais com maior severidade. Depois aparecem os problemas reprodutivos, normalmente, nas vacas com maior produtividade de leite, que revelam muitas vezes taxas de fertilidade incomportavelmente baixas. Por último, os distúrbios metabólicos e outras doenças menos comuns, mas ainda assim causadoras de distúrbios importantes, que também podem levar ao refugo dos animais. A maioria dos estudos menciona que 80% das causas de refugo estão relacionadas com problemas de saúde. Num estudo realizado recentemente na Polónia, que envolveu 70 explorações e aproximadamente 70.000 vacas leiteiras durante 8 anos, observou-se taxas de refugo de 33% ao ano.

GRÁFICO 1. Principais doenças em vacas leiteiras associadas ao refugo precoce

As principais patologias em explorações leiteiras que levam ao refugo precoce dos animais são as mastites (35%), seguidas pela claudicação (28%), problemas reprodutivos, incluindo infertilidade (12%), problemas do foro digestivo (8%) e ainda um conjunto de outras doenças que representam no global 17%. Obviamente que este cenário é variável entre países da UE e em cada país também se verifica alguma diversidade nas causas de refugo, de qualquer forma, é importante atuar na base de prevenção destas doenças e garantir maior longevidade produtiva.

 

Fatores de risco

A mastite é a doença com maior incidência em vacas leiteiras e com maiores repercussões em termos económicos. A mastite clínica pode ser observada em qualquer fase da lactação, embora seja mais frequente o seu aparecimento até aos 120 dias após o parto, devendo merecer os maiores cuidados de maneio da higiene dos animais e das instalações, assim como nos procedimentos de ordenha, por forma a evitar o seu aparecimento. Estudos com dados de matadouros referem que entre 5% a 15% das vacas leiteiras refugadas tinham mastite, embora esse possa não ser o motivo relatado para o abate dos animais. As vacas com mastite subclínica também são afetadas na sua capacidade produtiva e, por vezes, apresentam contagens de células somáticas elevadas, o que pode igualmente levar ao refugo dos animais por este motivo.
A claudicação carateriza-se pela dificuldade de locomoção dos animais, adotando estes posturas anormais provocadas por um distúrbio estrutural ou funcional que afeta um ou mais membros ou mesmo a coluna vertebral e que se torna evidente quando o animal se levanta, deita, movimenta ou quando se encontra em estação. Nos bovinos de leite, as lesões podais são a principal causa de claudicações e a maioria destas tem origem em lesões das unhas, sendo a úngula lateral dos membros posteriores a mais afetada. É sabido que a claudicação afeta muito negativamente a produção de leite e o desempenho reprodutivo das vacas leiteiras, estimando-se que cerca de 20% dos animais descartados tinham esta patologia. Esta leva também à redução da ingestão de alimentos e inibe nas vacas a capacidade de expressão do cio, obrigando os produtores a efetuar mais frequentemente o corte funcional das úngulas que, sendo menosprezado, implicará maior refugo de animais.
Doenças menos comuns, mas igualmente importantes são a retenção de placenta, metrite, torção do abomaso e cetose. A retenção de placenta por si só não se vislumbra complexa, mas quando evolui para metrite pode ter efeitos graves no desempenho reprodutivo e foi, portanto, indiretamente ligado ao aumento do abate de animais afetados. Embora a metrite possa causar, a curto prazo, ligeira diminuição na produção de leite, tem sido associada a intervalos mais longos entre a primeira inseminação artificial e a conceção, contribuindo desta forma para menor eficiência reprodutiva e consequente refugo. Vacas vazias viram quadruplicado o risco de abate comparativamente a vacas com gestação confirmada e o risco de refugo em vacas vazias vai aumentando proporcionalmente ao número de lactações.
Recentemente, vários autores relataram que, embora a torção do abomaso tenha baixa representatividade quando comparada com outras patologias, foi a segunda doença metabólica mais determinante para a eliminação dos animais, seguida da mastite e da cetose.

 

Bem-estar e vida útil produtiva

A curta expectativa de vida produtiva da vaca, especialmente como resultado de muitos abates forçados no início da lactação, geralmente é sinónimo de bem-estar reduzido.
A recria de vitelas e novilhas, que serão as futuras vacas produtoras de leite, é um processo dispendioso que demora pelo menos dois anos, sendo também sabido que a vaca atinge o seu máximo potencial produtivo entre a terceira a quarta lactação, por isso quanto maior for a sua longevidade maior será a rentabilidade alcançada com cada animal.
O bem-estar animal está diretamente interligado com a saúde animal, mas também existem preocupações cada vez maiores com a possibilidade de as vacas usufruírem de uma vida mais natural (com acesso a espaços exteriores) e terem liberdade suficiente para expressar os seus comportamentos naturais sem limitações. Consumidores inquiridos sobre estas temáticas expressaram preocupação direta com a qualidade de vida dos animais. Não mencionaram a longevidade das vacas como uma preocupação específica, mas é atendível que a sociedade civil comece a exigir maior expectativa pela duração da vida produtiva, que vá de encontro àquilo que seria a longevidade natural dos animais, visto que os problemas de saúde são os principais fatores responsáveis pelo refugo precoce das vacas leiteiras.
Nos últimos anos, existem vários relatos de preocupações com o bem-estar animal, incluindo não só as mastites, mas também a elevada prevalência de claudicação nas explorações leiteiras. Muitas vezes, o refugo involuntário é uma necessidade para reduzir o sofrimento dos animais, mas se existir uma elevada taxa de substituição no efetivo poderá ser indicador de pobre e ineficiente bem-estar animal, que contraria os preceitos da produção animal sustentável. O refugo devido a problemas de saúde seria mais aceitável se ocorresse no final da vida natural dos animais, que nos bovinos ronda o período entre 10 a 15 anos.

Conclusão

A vida útil produtiva das vacas leiteiras é determinada, principalmente, por razões de refugo que indicam saúde e bem-estar animal reduzidos levando ao abate, mas também por outros fatores, como a entrada em produção de novilhas leiteiras geneticamente melhoradas. Melhorias ao nível da saúde, conformação e fertilidade reduzirão o abate forçado e permitem uma tomada de decisão mais objetiva sobre a funcionalidade das vacas multíparas saudáveis. O produtor deve dispor de ferramentas técnico-científicas, que auxiliem no suporte à decisão de refugo dos seus animais, principalmente quando se trata de vacas ainda jovens e com grande potencial de produção. O maneio e as condições dos estábulos podem afetar a vida produtiva, por intermédio das melhorias nos cuidados de saúde e no conforto das vacas leiteiras.
Medidas eficazes de melhoramento genético, eficiência reprodutiva, conforto da vaca e cuidados com a saúde revelam-se como oportunidade de os produtores incrementarem a expectativa de vida produtiva dos seus animais, para aumentar a rentabilidade e melhorar a aceitação social deste setor da produção animal.

TEXTO: Prof. Doutor Joaquim Lima Cerqueira,
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESA-IPVC);
Centro de Ciência Animal e Veterinária (CECAV), UTAD – Vila Real