Bebidas vegetais uma boa alternativa ao leite?
Temos assistido nos últimos anos a uma substituição do leite por alternativas de base vegetal. A variedade de opções disponíveis no mercado não pára de aumentar – bebidas de soja, arroz, amêndoa, aveia, coco, quinoa, noz, com versões light, bio, sem açúcares, com cálcio, sabor a chocolate, baunilha, entre outros. Muitas destas alternativas são conhecidas e popularmente apelidadas de “leite”, quando na realidade apenas se assemelham a este na sua aparência e consistência. As bebidas vegetais são ainda frequentemente percecionadas como saudáveis pelos consumidores. Assim, face ao rápido crescimento do mercado e popularidade destas bebidas, importa esclarecer se estas constituem alternativas válidas ao leite sob o ponto de vista nutricional.
Valor nutricional do leite
Começamos por apresentar, de forma simples e clara, o valor nutricional do leite. O leite e alguns dos seus derivados, como o iogurte ou o queijo, são alimentos que a espécie humana consome há vários milhares de anos. O seu consumo constituiu, comprovadamente, uma vantagem evolutiva para algumas populações primitivas que o podiam digerir, fruto da sua elevada riqueza nutricional. De facto, os lácteos possuem um teor importante de proteínas de alto valor biológico, de cálcio altamente biodisponível e de outras vitaminas e minerais, como as vitaminas A, D, B2 e B12 ou os minerais fósforo, potássio, selénio e iodo, tornando-os alimentos com um papel importante na alimentação humana. Os produtos lácteos constituem, por isso, um dos grupos da Roda dos Alimentos Portuguesa, variando entre duas e três porções diárias a sua recomendação, consoante a idade.
Razões para a diminuição do consumo de leite e subida das bebidas vegetais
Várias são as razões que têm contribuído para a diminuição do consumo de leite e sucessivo aumento da procura de alternativas vegetais. Existem razões diretamente relacionadas com a saúde, como a alergia e intolerâncias alimentares, mas também as que se prendem com a adoção de dietas vegetarianas, veganas, dietas com considerações éticas contra o consumo de leite ou que espelham preocupações ambientais. Também a opinião controversa sobre o consumo de leite e a disseminação de informação, nem sempre de base científica, que associa o consumo de leite a efeitos negativos na saúde humana contribuíram para esta realidade, não esquecendo os que substituem o leite por bebidas vegetais porque “é moda”.
Perfil nutricional das bebidas vegetais
De seguida, é feita uma análise ao perfil nutricional das bebidas vegetais, quer ao nível da composição nutricional como da biodisponibilidade de nutrientes.
Proteína
A principal desvantagem das bebidas vegetais disponíveis no mercado é o seu baixo teor proteico. Algumas bebidas de amêndoa, arroz, aveia, avelã, caju e coco podem atingir um proteico muito baixo (<0,5%). Em contraste, a bebida de soja é a única que se aproxima ao leite de vaca no que diz respeito à quantidade de proteína. É importante notar que o teor proteico das diversas bebidas vegetais varia de forma expressiva, inclusive quando utilizada a mesma base vegetal (Figura 1). De forma similar, também a qualidade das proteínas vegetais se mostra inferior às proteínas do leite de vaca, devido ao menor teor em aminoácidos essenciais e à baixa digestibilidade. Dentro das proteínas vegetais, a proteína de soja é a que apresenta melhor qualidade proteica.
Teor proteico de algumas bebidas vegetais disponíveis no mercado português.
Gordura
O teor de gordura das bebidas vegetais varia consideravelmente. No que diz respeito ao perfil de ácidos gordos, os saturados estão presentes em baixa quantidade, enquanto que ácidos gordos mono e polinsaturados são predominantes. A exceção à tendência são as bebidas de coco, por serem distintamente ricas em gordura saturada. Naturalmente, as alternativas vegetais ao leite não contêm colesterol.
Hidratos de carbono
O teor de hidratos de carbono das bebidas vegetais pode variar entre 0,1 e 15,0 g por 100 g. A bebida de arroz distingue-se pelo seu elevado teor de hidratos de carbono e açúcares, verificando-se o oposto com a bebida de amêndoa. De forma geral, as bebidas à base de cereais (de arroz, aveia, espelta) apresentam um teor de hidratos de carbono superior ao do leite de vaca. Na maioria das alternativas vegetais ao leite, mais de 70% dos hidratos de carbono presentes são açúcares. Nenhuma destas bebidas contém lactose.
É de salientar o facto do índice glicémico das bebidas vegetais ser superior ao do leite de vaca. Especificamente, as bebidas de coco e arroz exibem um índice glicémico alto.
Cálcio
Fontes vegetais utilizadas nas bebidas vegetais, como os cereais, apresentam quantidades reduzidas de cálcio. Como tal, muitas bebidas são fortificadas neste micronutriente, com a finalidade de se tornarem comparáveis ao leite de vaca. Quando fortificadas, muitas revelam um teor de cálcio superior ao do leite de vaca, com valores a atingirem os 200 mg. Contudo, a maioria das bebidas não fortificadas apresenta entre 0 e 10 mg de cálcio. Assim, é possível verificar que o teor de cálcio das bebidas vegetais é altamente variável. Ademais, a adição de cálcio não garante que as bebidas vegetais e o leite de vaca sejam equivalentes do ponto de vista nutricional, mesmo quando o teor de cálcio rotulado é semelhante, dado que a sua biodisponibilidade depende da matriz alimentar e do agente de fortificação. A sedimentação do cálcio adicionado permanece um problema. Análises a bebidas de soja comerciais revelaram que, quando não agitadas, estas continham apenas 31% do teor de cálcio rotulado, e quando agitadas, perto de 59%.
Outros micronutrientes
De forma a combater possíveis défices nutricionais, algumas bebidas são fortificadas em vitaminas, principalmente B12, B2, D e A. Sobre os minerais, estas detêm menores teores de fósforo, potássio, selénio e iodo, relativamente ao leite. A bebida de soja é a que mais se aproxima ao leite de vaca no que diz respeito ao conteúdo em vitaminas e minerais.
Principais diferenças nutricionais para o leite
Do acima exposto, observa-se que existem diferenças importantes entre a grande maioria das bebidas vegetais e o leite. As mais relevantes são o menor teor (com a exceção da bebida de soja) e qualidade da proteína, a menor biodisponibilidade do cálcio, um maior teor de hidratos de carbono, nomeadamente de açúcares e uma menor quantidade de vitaminas e minerais. Analisando com mais pormenor, percebemos que a questão da proteína é bastante relevante, uma vez que os lácteos podem constituir uma fração apreciável da ingestão proteica total. Segundo os dados do Inquérito Alimentar Nacional de 2016, 15,9% da ingestão proteica dos Portugueses provém dos lácteos, podendo este valor ser ainda mais elevado em grupos etários como as crianças.
Ainda mais significativos são os dados relativos à ingestão de cálcio, onde podemos verificar que 44,8% da ingestão de cálcio provém dos lácteos, confirmando este grupo como o principal fornecedor deste mineral. Se é certo que cerca de metade destas bebidas vegetais são suplementadas com cálcio de modo a que os respetivos teores se assemelhem aos do leite, a sua biodisponibilidade é comprovadamente menor, fruto de uma matriz alimentar distinta onde fatores como a presença de fitatos ou oxalatos impedem uma absorção tão eficaz deste micronutriente ou da própria precipitação/sedimentação do sal de cálcio na embalagem.
Relativamente a outros micronutrientes, os estudos mostram que a equivalência com os leite apenas se verifica quando há suplementação das bebidas vegetais com essas vitaminas e minerais, sobretudo as vitaminas B2, B12, D e A, sendo que os estudos mais recentes mostram que esta suplementação está longe de ser universal.
Acresce que algumas destas bebidas vegetais, nomeadamente as que têm por base o arroz apresentam geralmente um teor de hidratos de carbono, e consequentemente de energia, significativamente superior ao do leite. Mais ainda, estes hidratos de carbono são maioritariamente açúcares, o que faz com que, na bebida de arroz, a carga glicémica seja equivalente à de refrigerantes ou bolos.
Riscos associados a esta substituição
Não existem estudos sobre o impacto direto na saúde humana da substituição do leite por bebidas vegetais. Alguns estudos compararam os efeitos do consumo de bebidas vegetais com o consumo de leite em marcadores de risco para algumas doenças. Uma revisão sistemática recente, incluindo oito ensaios clínicos, concluiu que a evidência disponível sobre o impacto da bebida de soja nos lípidos plasmáticos é limitada e permanece controversa. Thorning e col., num trabalho de 2016, concluem que a evidência disponível é insuficiente para que possamos atribuir às bebidas vegetais alguma vantagem sobre o leite em termos de benefícios para a saúde.
Por outro lado, começam a ser frequentes os casos descritos na literatura em que se associam deficiências nutricionais em crianças ao consumo destas bebidas, com destaque para o raquitismo, o kwashiorkor ou o escorbuto. Foi ainda descrita uma estatura média mais baixa em crianças que consumiam preferencialmente as bebidas vegetais, comparadas com as que consumiam leite.
Em conclusão, as bebidas vegetais não se podem considerar alternativas ao consumo de leite, sob o ponto de vista nutricional. Embora a bebida de soja fortificada possa apresentar uma razoável semelhança com o leite, todas as outras são suficientemente diferentes para que não lhes possamos atribuir essa capacidade, havendo mesmo alguns potenciais riscos para a saúde, sobretudo de crianças, que podem estar associados a essa substituição.