A importância da qualidade da água e da higienização dos bebedouros
Tendo em conta a grande diversidade de funções e ainda a magnitude dos seus predicados, a água pode ser considerada o nutriente mais importante da vida dos animais. É o maior constituinte corpóreo dos mamíferos e é essencial para a manutenção da vida e da saúde. Aproximadamente 65% do corpo dos animais é composto por água, sendo que, este valor varia muito de acordo com a espécie e a idade. Animais mais jovens tendem a possuir maior percentagem de água corpórea, devido à maior proporção de massa muscular (alta quantidade de água) em relação à gordura corpórea (baixa quantidade de água), diminuindo essa dimensão com o seu crescimento. Uma vaca pode perder praticamente toda a gordura e mais de metade da proteína corporal conseguindo sobreviver nessas circunstâncias, enquanto a perda de 10% de água provocará a morte.
A água é um constituinte ativo e estrutural nos organismos, sendo imprescindível como solvente de substâncias presentes no corpo, ao regular a pressão intracelular, auxiliar os processos digestivos, facilitar o transporte e absorção de nutrientes, eliminar toxinas e ainda possibilitar a regulação térmica dos animais.
A água ingerida pelos bovinos tem como objetivos a nutrição do tecido celular, compensar as perdas ocorridas pelas fezes, urina, saliva, evaporação (suor e respiração) e também manter a homeotermia, regulando a temperatura do corpo e dos órgãos internos, e naturalmente, numa vaca leiteira uma grande quantidade será requerida pela produção de leite. A quantidade diária de água exigida pelos bovinos é influenciada por diversos fatores, tais como, temperatura ambiente, peso vivo, idade, fase da vida do animal (crescimento, engorda, prenhez) e taxa de atividade metabólica, que corresponderá em boa parte ao nível de produção da vaca leiteira em cada fase do ciclo produtivo. Um dos principais sintomas de ingestão insuficiente de água é a queda no consumo de alimento. Outros indícios podem ser a desidratação, aumento da frequência cardíaca, aumento da temperatura corporal, aumento da frequência respiratória e estado de letargia, tornando-se simultaneamente mais suscetíveis a doenças e mais passivos. Sem água o metabolismo básico dos animais é colocado em risco, afetando gravemente a funcionalidade dos principais órgãos. Muitas vezes menosprezada, a água é essencial para a saúde e bem-estar dos animais.
Bebedouros
O fornecimento de água limpa e fresca é fundamental para assegurar a produção de leite, o controlo da temperatura corporal, assim como a manutenção de funções vitais das vacas leiteiras. As vacas despendem aproximadamente 30 minutos por dia em abeberamento. A estimativa do consumo de água de uma vaca leiteira ronda os 10 litros por cada 100 kg de peso vivo, acrescido de 3 litros por cada kg de leite produzido. É fundamental ainda assegurar caudal suficiente de água, para que cada vaca consiga beber a um ritmo de 6 a 13 litros por minuto.
Os bebedouros devem ser dimensionados de forma a assegurar o fornecimento ad libitum de água/animal/dia e permitir que 15 a 20% do efetivo consiga beber simultaneamente. Devem existir pelo menos dois pontos de abeberamento por cada lote de animais, para atenuar a competição exercida pelas vacas dominantes.
Os bebedouros mais frequentemente utilizados em vacas leiteiras são em aço inoxidável, com sistema de boia permitindo o abeberamento simultâneo de vários animais, existindo também bebedouros em plástico e cimento. A maioria da literatura, inclusive recomendações internacionais, refere que o espaço de acesso ao bebedouro deve ser de 6 a 12 cm por vaca leiteira. Os destinados a vacas adultas devem ter uma altura entre 60 a 90 cm, não devendo ultrapassar 61% da altura à cernelha do animal. Devem ainda ter uma profundidade entre 10 a 20 cm e o nível da água deve situar-se entre 5 a 10 cm abaixo do bordo superior do bebedouro, permitindo uma fácil higienização dos mesmos sem grande desperdício de água. À volta dos bebedouros é crucial que exista um espaço livre suficiente para facilitar o abeberamento de vários animais conjuntamente e a passagem simultânea de vacas em ambos os sentidos nos corredores de acesso a estes equipamentos. Outro aspeto importante prende-se com o facto de os bovinos preferirem consumir água com temperatura entre 25 a 30°C, diminuindo tendencialmente a ingestão, quando inferior a 15°C.
Os sistemas de abeberamento deverão, sempre que possível, ser limpos e sujeitos a manutenção periódica. Os bebedouros ou pias não devem ser muito grandes, de forma a que exista um fluxo de água significativo, pois esses reservatórios facilmente acumulam muita sujidade e provocam maior degradação da qualidade da água. Devem ser periodicamente avaliadas as necessidades de manutenção, nomeadamente reparação de fugas, que provocam desperdício de água e/ou a humidificação da zona envolvente. E todos devem possuir um orifício ou válvula que permita o seu esvaziamento completo, ou ainda, ser possível efetuar o seu volteio para posterior limpeza (bebedouro basculante). Se não estão a ser utilizados por um período de tempo longo, devem ser despejados, limpos e mantidos secos.
É essencial utilizar os bebedouros, de modo a que estes não constituam uma fonte de contaminação, nomeadamente pelos dejetos dos animais. No caso de animais em pastagem deve mudar-se periodicamente o local dos mesmos, para evitar a formação de zonas lamacentas e contaminação fecal.
Origem e qualidade da água
Legalmente, o Regulamento (CE) nº 183/2005, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de janeiro, define os requisitos de higiene dos alimentos para animais, inclusive dos normativos a ter em conta para a água.
A salubridade do leite pode estar em causa devido à qualidade da água utilizada na limpeza do equipamento de ordenha e consumida pelos animais. Uma contaminação da água, mesmo que limitada, pode ter consequências prejudiciais no animal e consequentemente no leite. A água de abeberamento pode igualmente veicular substâncias indesejáveis de natureza diversa, com consequente repercussão na saúde e bem-estar dos animais, para além da possível transferência das mesmas para os géneros alimentícios de origem animal (carne e leite) e eventual comprometimento da utilização desses produtos na alimentação humana. Os contaminantes mais comuns são microrganismos patogénicos e suas toxinas, assim como as substâncias tóxicas de natureza química, como pesticidas, carburantes, dissolventes e nitratos. A qualidade da água, a eventual presença de contaminantes e a sua concentração afetam o consumo pelo animal. Os níveis muito elevados de salinidade inibem a ingestão de água e consequentemente de alimentos. As explorações pecuárias podem ter água proveniente de diferentes origens, disponível para os seus animais. Pode provir de furos, poços, minas, charcas, barragens, linhas de água, ou mesmo da rede de abastecimento público. De qualquer forma, independentemente da sua origem, a água destinada quer ao abeberamento dos animais, como de utilização no equipamento de ordenha, deverá ser de qualidade adequada. Sempre que houver motivo de preocupação devido a contaminações da água, deverão ser tomadas medidas para avaliar e minimizar os riscos.
A água de qualidade adequada deve ser não só palatável (não ter sabores estranhos) e bem tolerada, mas estar também em conformidade com as exigências adequadas à sua utilização em produção animal de forma a assegurar a sua distribuição apropriada (ex: risco de obstrução/bloqueio dos equipamentos de fornecimento e/ou sistemas de abeberamento, ou outros, devido a concentrações elevadas de minerais, como cálcio ou ferro).
Requisitos da qualidade da água para utilização em explorações leiteiras:
- Potabilidade: Água sujeita a análises físicas, químicas, microbiológicas e até radioativas, não imputando qualquer risco para a saúde animal.
- Palatibilidade: Deve ser inodora, incolor e insípida, permitindo a ingestão da quantidade desejável pelo animal.
- Capacidade de utilização: Sem efeitos adversos para as instalações, sistemas de canalização e equipamentos no seu fornecimento diretamente aos animais.
- Tratamento: Normalmente águas provenientes de rios, lagos, furos, poços e minas não são muitas vezes próprias para consumo animal, sendo fundamental efetuar o tratamento adequado para posterior utilização na unidade produtiva.
No caso de a água da exploração ser proveniente de um furo, devem ser realizadas análises periódicas, de modo a garantir a sua qualidade bacteriológica e química. Caso se utilize água da rede, importa assegurar que não há contaminação no sistema de fornecimento. O controlo da qualidade da água é a única forma de saber se esta é aceitável para uso pecuário, isto é, se possui a qualidade desejável para a alimentação animal. As principais fontes de água devem ser avaliadas pelo menos com uma periodicidade anual e preferencialmente no início do verão para identificar possíveis problemas em cada fonte de captação. As amostras de rotina devem ser recolhidas, de preferência, na origem ou no local onde a água é introduzida nos equipamentos de fornecimento, de forma a salvaguardar contaminações intermédias.
No que se refere à água destinada ao abeberamento dos animais, deve ser tido em consideração que muitas fontes de água apresentam microrganismos, incluindo bactérias, vírus, protozoários e ovos de parasitas. Enquanto alguns são inofensivos, outros podem apresentar risco para a saúde animal. Os parâmetros físico-químicos a avaliar, podem ser variados: valor de pH, condutividade, teor de sal e concentração de ingredientes inorgânicos e orgânicos.
Diversos elementos químicos apresentam toxicidade para os animais, quando estão acima de determinados níveis. Podendo surgir naturalmente nas águas destinadas ao abeberamento dos animais, frequentemente a sua presença advém da atividade humana, incluindo a inadequada gestão de resíduos, com a consequente contaminação das águas superficiais ou mesmo de profundidade. Por isso, tendo em consideração a toxicidade de alguns iões (nitratos, nitritos, metais pesados, entre outros) quando em concentrações elevadas na água, estes devem ser avaliados em conjunto com os alimentos fornecidos, de forma a garantir que os teores globais da dieta não sejam ultrapassados. No caso de a água ser proveniente de poços, deve-se também efetuar análises para detetar a presença de compostos orgânicos voláteis, petróleo e solventes provenientes de resíduos ou caso a exploração se encontre na proximidade de fábrica industrial ou de aterro sanitário.
Quando a água apresenta odores e sabores anormais, as vacas reagem diminuindo o seu consumo ou inclusivamente recusando a sua ingestão, com as implicações produtivas e sanitárias que este fator acarreta. E associado a este tipo de problemas surgem também os biofilmes, que são comunidades complexas de microrganismos recobertas por um polímero extracelular que contribui para a retenção de nutrientes e produção de agentes tóxicos. Os microrganismos dos biofilmes fixam-se fortemente às superfícies, desencadeiam contaminações cruzadas, são mais resistentes aos agentes antimicrobianos, pela sua estrutura tridimensional e por isso são um grave problema na higienização dos bebedouros. A ação dos microrganismos presentes nas paredes das tubagens e bebedouros (biofilme), produz uma deterioração na qualidade da água, reduz a capacidade hidráulica dos tubos, acelera a corrosão e dificulta o tratamento desinfetante da água podendo ser um vetor para a transmissão de doenças. A implementação de um protocolo de manutenção higiénico-sanitária adequada nos bebedouros, com produtos autorizados, à base de hidróxido de sódio e agentes dispersantes de alta solubilidade que atingem um efeito detergente para o biofilme, é fundamental para garantir o controlo e a eliminação destes.
Conclusão
A água deve estar permanentemente disponível para os animais, mas se for imprópria para abeberamento pode induzir parasitismo, doenças ou veicular substâncias nocivas capazes de afetar os processos produtivos e comprometer a utilização segura dos produtos de origem animal na alimentação humana. Os equipamentos de fornecimento e sistemas de distribuição devem ser instalados por forma a reduzir ao mínimo a contaminação da água, ser limpos frequentemente e sujeitos a manutenção periódica. Nas explorações leiteiras deve ser efetuada pelo menos uma análise anual da água, principalmente se forem identificados fatores de risco. Os registos relativos às análises e respetivos resultados analíticos, bem como eventuais tratamentos, devem ser devidamente conservados e arquivados. A disponibilização de água em quantidade e qualidade devidamente controlada aos animais, é sempre da responsabilidade dos operadores da cadeia primária de produção de bens alimentares e em primeira instância dos Produtores de bovinos leiteiros, permitindo o cumprimento dos preceitos legais de higiene em termos de boas práticas de alimentação dos animais.